90s para meia-noite
- Antonio Moscatelli
- 13 de mar. de 2023
- 3 min de leitura

Antonio Moscatelli 25/02/2023
Recentemente (24 de Janeiro), o Boletim dos Cientistas Atômicos realizou seu anúncio anual: os ponteiros do Relógio do Juízo Final foram movidos. A humanidade tem 90 segundos para a meia-noite. Mas… o que isso significa?
O Bulletin of the Atomic Scientists surgiu como uma organização midiática composta pelo que o próprio nome indica: cientistas atômicos do projeto Manhattan que viram a necessidade imediata de um acerto de contas público após os bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki. Publicando a primeira primeira edição de sua revista em em 1947, logo no início da Guerra Fria, com artigos públicos sobre a ameaça das armas nucleares e formas alternativas de controlar a energia atômica.
Tendo sido criado para alertar o público geral dos perigos de fabricar e usar armas nucleares, o Boletim inaugurou sua primeira capa com o Relógio do Juízo Final ao fundo: um símbolo poderoso criado justamente para mostrar o sentimento de urgência à população. O Relógio é então colocado em movimento, marcando naquele ano 7 minutos para a meia noite.
“Este símbolo de urgência representa o estado de espírito daqueles cuja proximidade com o desenvolvimento da energia atômica não lhes permite esquecer que suas vidas e as de seus filhos, a segurança de seu país e a sobrevivência da civilização estão em jogo.”
Eugene Rabinowitch, editor-chefe / Julho de 1947
Com o passar do tempo, entretanto, o boletim deixou de se preocupar somente com as ameaças nucleares. Como previsto pelos fundadores: essas seriam “apenas o primeiro de muitos presentes perigosos da Caixa de Pandora da ciência moderna” e para nosso azar, eles estavam corretos. Hoje nos deparamos com ameaças como gases de efeito estufa, ataques cibernéticos e uso indevido de engenharia genética e inteligência artificial. Formando as três áreas de foco do boletim: risco nuclear, mudança climática e tecnologias disruptivas.
Somando os novos terrores feitos pelo ser humano, os ponteiros do relógio tem se aproximado gradativamente da meia-noite sem voltar atrás há dez anos, culminando hoje nos 90 segundos. Mas por que 90 segundos em 2023?
Esse ano, o Relógio foi movido em 10 segundos em maior parte pelos perigos crescentes da guerra na Ucrânia, principalmente em sua pior parte pelas ameaças veladas russas de “usar armas nucleares lembrando ao mundo que a escalada do conflito—por acidente, intenção ou erro de cálculo—é um risco terrível. A possibilidade de que o conflito possa sair do controle de qualquer pessoa permanece alta.” A Rússia também tomou ações que contrariam décadas de compromissos firmados por Moscou, levou a batalha para territórios com reatores nucleares como Chernobyl e Zaporizhzhia, violando protocolos e arriscando a liberação generalizada de materiais radioativos.
Além disso, a Guerra possui desdobramentos para a mudança climática. A fissura geopolítica aberta pela invasão da ucrânia enfraquece a capacidade global de cooperar enquanto coloca a confiança na resistência e viabilidade de planos multilaterais e internacionais em cheque. Com a corrida para a independência do gás russo, os altos preços da eletricidade contribuíram para a implementação de políticas de energia renovável. Apesar disso, os altos preços do gás natural levaram a um crescimento de investimento e produção dele e sua infraestrutura. Assim, as emissões anuais de carbono atingiram seu ápice em 2021 e continuam a crescer em 2022, tornando evento climáticos extremos não só mais frequentes como mais atribuíveis à mudança climática.
Sobre as ameaças biológicas, é claro para o Boletim que o panorama atual exige melhoria na habilidade de prevenir pandemias, detectá-las rapidamente e responder efetivamente por parte da comunidade internacional. Frente à biodiversidade de zoonozes, patógenos não estudados e acidentes de aboratório frequentes, cada país deve fazer investimentos maiores em saúde pública, eliminar armas biológicas e seus programas de produção e melhorar a vigilância pandêmica.
Por fim, o relatório desse ano trata sobre as tecnologias disruptivas. Apesar de haver notícias boas como a eleição francesa e a posição dos cientistas na administração Biden, a desinformação que é possível na era cibernética continua inabalável. Na Rússia por exemplo, com a mídia completamente sob controle estatal, a disseminação de informações verdadeiras sobre a guerra tornou-se impossível. Na China, o uso de tecnologias de vigilância continua. Por outro lado, os satélites da Starlink mentiveram a comunicação ucraniana possível e resiliente.
Como disse Rachel Bronson, PhD, presidente e CEO do Bulletin of the Atomic Scientists:
“Estamos vivendo em um momento de perigo sem precedentes e o tempo do Relógio do Juízo Final reflete essa realidade. 90 segundos para a meia-noite é o mais próximo que o Relógio já foi definido para a meia-noite e é uma decisão que nossos especialistas não tomam levianamente. O governo dos EUA, seus aliados da OTAN e a Ucrânia têm uma infinidade de canais de diálogo; urge que os líderes explorem o máximo de sua capacidade de voltar o Relógio.”
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