Campos de concentração: heranças do passado e construções do presente
- Laura Oliveira
- 6 de mar. de 2023
- 5 min de leitura
Atualizado: 21 de mai. de 2023
Por Laura Oliveira De Carvalho e Artur Miranda
Esse texto está sendo escrito no dia 27 de Janeiro de 2023. A exatos 78 anos o campo de concentração de Auschwitz era libertado pelas tropas soviéticas. Hoje foi o dia escolhido pela ONU para a memória do holocausto. Relembramos desse acontecimento em um tom “nostálgico-triunfalista”, usando o termo de Tony Judt. Esta é a história de um passado sombrio, onde as diferenças eram resolvidas na bala. Este é o nosso passado. Como diria uma propaganda de roupas portuguesas: o século 21 é outra história.
Campos de concentração, na definição da enciclopédia Britannica, são “centro para presos políticos e membros de grupos nacionais ou minoritários que estão confinados por razões de segurança do Estado, exploração ou punição, geralmente por decreto executivo ou ordem militar.”. Os campos mais lembrados são os alemães, que mantinham judeus, ciganos, negros, LGBTQIA+ e dissidentes políticos liberais, comunistas, conservadores e sociais democratas. A União Soviética tinha campos, chamados Gulags, onde prendiam dissidentes políticos, criminosos, burgueses, camponeses resistentes e etnias suspeitas de traição. O Brasil prendeu alemães, japoneses e diversas outras etnias em campos de concentração na segunda guerra mundial, já que o país estava contra o eixo (aliança entre a Alemanha nazista, o Japão, Itália e vários outros países) e suspeitava que parte dessas populações se engajava em alguma atividade “anti-brasileira”.
Todos esses campos (e muitos outros) parecem estar relegados ao passado. A segunda guerra mundial, a guerra fria. Como já havia estabelecido anteriormente, o século 21 é outra história, certo? Eis a narrativa que buscamos combater nesse texto. Os campos seguem sendo uma realidade brutal em nosso século. Regimes políticos continuam se sentindo no direito de calar opositores e prender pessoas de diferentes etnias.
Em 2020, foi estimado que autoridades chinesas detiveram cerca de 1.8 milhão de pessoas, em sua maioria Uighurs e outros povos étnicos da Turquia. Além de muçulmanos, cristãos e até mesmo alguns cidadãos estrangeiros que foram levados para os campos de internamento secretos. Uma situação que vem ocorrendo desde 2017, mas que foi totalmente encoberta pelo governo chinês,que fez uma fogueira gigantesca, que perdurou quase uma semana, queimando todos os documentos que pudessem ser encontrados em um escritório que supervisionava os campos de internamento.
Como consequência desse aprisionamento em massa, milhares de crianças ficaram órfãs, o que levou o governo chinês a construir escolas internas ou boarding schools para “oferecer educação e acomodação” para as crianças que tiveram seus parentes levados.
Porém, o que parecia ser um sonho, logo se tornou um pesadelo. Algum tempo depois, o jornal Associated Press reportou a construção de milhares dessas escolas por todo o território chinês, o que levantou muitas suspeitas do que estaria acontecendo dentro desses lugares. De acordo com a BBC, os filhos de pais detidos pelo governo que foram para os internatos, foram penalizados por não falar o mandarim tradicional chinês, além de serem impedidos de praticar sua própria religião. Práticas que foram categorizadas como "campanha sistemática de reengenharia social e genocídio cultural" por Adrian Zenz, e que também foram criticadas por orgãos externos.
Depois de 2 anos de aprisionamentos sem justificativa por parte da China, houve finalmente um posicionamento dos membros da ONU. Em 8 de julho de 2019, 22 países emitiram uma declaração na qual pediam o fim das detenções em massa na China e expressavam suas preocupações com a vigilância e repressão generalizadas. Porém, outros 50 países emitiram uma contra-declaração, criticando a prática de "politizar questões de direitos humanos", afirmando que "o que eles viram e ouviram em Xinjiang contradiz completamente o que foi relatado na mídia”.
Mas a China não é única infringindo os direitos humanos, países como Índia, Iraque, Chile e Cuba também têm campos de concentração em seu território, algumas vezes “disfarçados”, mas estão lá para qualquer um que queira ver.
Campo de concentração na Índia
Um outro país com histórico de campos de concentração, e que ainda utiliza esses campos, é a Rússia. Nas regiões separacionistas do leste da Ucrânia, milicianos pró-rússia que recebem apoio do governo russo mantém presos políticos e dissidentes de seu terrorismo. A prisão chamada Izolyatsiya, isolamento em português, manteve por meses um jornalista ucraniano que denunciava os separatistas. Em seu artigo para o Wilson Center, ele conta a sua experiência.
Os campos de filtração russos estão sendo usados desde o começo da guerra com a Ucrânia, porém os ucranianos que estavam sendo levados para lá achavam que estavam a caminho de um território ocupado pelo seu país de origem, quando na verdade, estavam a caminho de um campo de concentração. Vítimas sobreviventes desses campos relataram que práticas como espancamento, tortura com eletricidade, dentre outras atrocidades eram cometidas nos campos. Além disso, não tinham onde dormir e eram muitas vezes privados de alimento. Toda essa situação na Rússia mobilizou alguns pesquisadores, ativistas e jornalistas, que até mesmo compararam a situação atual russa com os campos para os Uyghurs na China, não só pelo fato de ser um campo de concentração, mas também por usarem o argumento de “re-educação” como justificativa para manter as vítimas cativas nos campos.

A embaixada russa nos Estados Unidos deu um depoimento sobre a situação e afirmou que “os campos de filtração são pontos de apoio para civis que estão deixando a zona de hostilidade ativa (conflito direto)”. Enquanto isso, a diretora do Human Rights Watch – instituto ligado aos Direitos Humanos – Tanya Lokshina, apontou em um discurso oficial que as Convenções de Geneva proibem “transferências forçadas individuais ou em massa, bem como deportações de pessoas protegidas do território ocupado, são proibidas, independentemente de seu motivo", e ainda citou que ““De acordo com a lei internacional de direitos humanos, deslocamento ou transferência forçada não significa necessariamente que as pessoas foram forçadas a entrar em um veículo sob a mira de uma arma, mas sim que se encontraram em uma situação que não lhes deixou escolha.”, sempre deixando clara sua crítica à situação.
É incostetável que a presença de campos de concentração nos dias de hoje é um retrocesso para a sociedade, é inadmissível que governos e autoridades se sintam no direito de privar pessoas, cidadãos, de seus direitos garantidos em lei. E ainda afirmam coisas contestáveis apenas para encobrir toda a crueldade e falta de sensibilidade por trás de seu governo, muitas vezes argumentando contra a investigação da ONU no seu território, alegando soberania nacional.Os direitos humanos foram oficialmente instaurados em dezembro de 1948, e desde então o esperado seria que as nações seguissem com o raciocínio focado no bem de sua população, mas como pudemos ver, não é bem isso que acontece.
A história do século 21 não é outra história. A história não anda em linhas retas, não progride em linha reta. A narrativa que se constrói sempre minimiza a culpa que alguns indivíduos carregam pelo curso dos acontecimentos. Assim como no século passado as tragédias não eram inevitáveis, as de hoje também não são. Alguém ativamente escolheu estar na situação em que estamos. Pessoas, ideias. Essas coisas importam. Homens, guiados por ideais realistas ou utópicos, podem matar ou salvar milhões. Não existe outra história, o passado não é deixado para trás. A única coisa que existe é o homem, seus dilemas e suas escolhas. O presente é resultado disso, e não de uma história controlada por alguma lei inevitável.






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