Fora do Binário: Um Olhar Cultural Sobre a Diversidade da Identidade de Gênero
- Jovem Político
- 4 de jul. de 2022
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Com o movimento LGBT+ ganhando mais reconhecimento, identidades que não se enquadram na norma cis-het estão se tornando cada vez mais presentes na mídia da sociedade ocidental. * Evidentemente, com um progresso como esse, a manifestação de reações negativas é intrínseca, com pessoas alegando que a mídia e o movimento queer estão “lavando o cérebro” das gerações mais jovens com identidades que não são normais ou válidas. *
Isso é uma afirmação que provavelmente vem de um lugar de educação cultural eurocêntrica e/ou cristã, ja que, * embora termos como “transgênero” e “não-binário” sejam relativamente novos (junto com várias outras “palavras-chave” LGBT+), não significa que sejam conceitos e identidades modernas. *
Aliás, se dermos um passo fora da cultura ocidental quando se trata de gênero, podemos descobrir que esse “binário” que colocamos em prática, enquanto esteja inegavelmente ligado a aspectos da biologia, tem um aspecto cultural mais forte do que parece. * Por incrível que pareça, nos tempos de pré-colonização de várias civilizações existiam pessoas que adotavam, uma identidade diferente à qual suas genitais tipicamente correspondem. *
* MĀHŪ (CULTURA HAVAIANA) *
Muito antes da chegada de James Cook ao Havaí e outras ilhas da Polinésia, um gênero cultural fora do “binário tradicional” existia entre a sociedade indígena Kanaka Maoli. * Enquanto “kane” significa “masculino” na língua tradicional do povo e “wahine” significa “feminino”, os membros Kanaka Māori reconheciam que algumas pessoas não eram simplesmente uma ou outra, levando à palavra “māhū” que significa “no meio” com o objetivo de abranger uma forma de auto-expressão que tem ambos e nenhum dos traços masculinos e femininos. *
Há registros de homens biológicos, mulheres e até mesmo cidadãos intersexuais (termo biológico que descreve pessoas que naturalmente desenvolvem características sexuais que não se encaixam nas noções típicas de sexo feminino ou sexo masculino) habitantes de um papel de gênero em algum lugar entre ou abrangendo os traços masculinos e femininos em seu estilo de vida. Os hindivíduos Mahū procuravam companheiros românticos masculinos e femininos e não eram discriminados ou demonizados por sua identidade, mas sim elogiados. Seu papel social em sua cultura como educadores e disseminadores de antigas tradições e rituais - ensinados pela dança ou pelo canto - era sagrado. A chegada dos europeus e a colonização do Havaí quase eliminaram a cultura nativa, e hoje os māhū enfrentam discriminação por parte de pessoas que acreditam o termo ser pejorativo.
* TWO SPIRIT (NATIVOS AMERICANOS, EUA) *
Embora a expressão “Two Spirit” ou “dois espíritos”, em português, tenha sido criada apenas na década de 1990, é uma identidade com a qual os povos nativos norte-americanos se identificam há séculos. Há diversas variações desta identidade por todo o país, mas o termo em si é uma tradução do termo “Niizh manidoowag” em Anishinaabemowin, a língua do povo Ojibwe que se encontra contemporaneamente no que hoje seria Minnesota e Dakota do Norte nos EUA.
* Semelhantemente aos māhū, os “Two Spirit” são pessoas que possuem simultaneamente o espírito masculino e feminino, adotando um meio termo e se representando socialmente de acordo. * Alguns de seus papéis na nas civilizações eram por exemplo como os médicos ou personagens espirituais cantando canções tradicionais e cuidando de crianças que ficaram órfãs.
Em algumas representações mais longas da sigla do movimento queer como LGBTQIA2S+ podemos ver a sigla 2S que representa o “Two Spirit”, visto que está começando a ser mais reconhecido internacionalmente.
* QUARIWARMI (INCA, PERU) *
Na cultura andina pré-colonial, os incas adoravam o chuqui chinchay, um deus de gênero duplo. Atendentes de rituais de terceiro gênero ou xamãs realizavam rituais sagrados para honrar esse deus.
* Os xamãs quariwarmi usavam roupas andróginas como sinal visível de um terceiro espaço que se encontrava entre binários como o masculino e o feminino, o presente e o passado e os vivos e os mortos. * Sua presença xamânica invocava a força criativa andrógina muitas vezes representada na mitologia andina", segundo o estudioso Michael J. Horswell. Eles foram considerados sodomitas pelos conquistadores espanhóis e hoje em dia sua população é muito reduzida em comparação a antigamente.
* BISSU (INDONESIA) *
* A sociedade Bugi, no sul da Indonésia, reconhecia pelo menos 5 gêneros diferentes: makkunrai, oroané, bissu, calabai, and calalai. * Enquanto oroané e makkunrai podem se assemelhar ao que hoje chamamos de homens e mulheres cisgênero (indivíduos que se identificam com seu sexo biológico), calalai e calabai poderiam ser homens e mulheres transgêneros. Por último, bissu seria uma identidade andrógina, que não era nem feminina nem masculina, que normalmente se encarregava de roles espirituais. Hoje em dia, a maioria dos Bugis tem se convertido para a religião Cristã ou Muçulmana, mas certos grupos estão tentando se reconectar com sua cultura pré-colonial.
Como podemos ver, diferente de sexo biológico, o conceito de gênero pode se descrever com uma construção cultural. As normas e apresentações dos indivíduos divergem de sociedade em sociedade, mas um fator comum é a existência de identidades que não se encaixam no binário. Estes são só alguns exemplos, mas está claro que os conceitos de espectro de gênero e identidades não binárias são conceitos muito mais antigos do que pensamos.
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