Lula e o congresso nacional | Artur Miranda
- Artur G. Miranda
- 11 de mai. de 2023
- 3 min de leitura

Se há uma relação essencial a qualquer análise política, social e estratégica no Brasil, hoje, é a do executivo e do legislativo. Sempre essencial, agora ela se torna incontornável. O país tem um sistema eleitoral bastante multifacetado e amplo, contando com diversos partidos, legendas etc. O excesso dificulta uma negociação que deveria ser simples. São diversos interesses fragmentados em jogo, muitas pressões políticas (que vão em direções contrárias). Essa característica complexa do regime político brasileiro é o que se chama de Presidencialismo de Coalizão. Na história da nova república, os presidentes tiveram muitas vezes que lidar de alguma forma com um congresso grande e multifacetado. O PT, no poder, lidou com isso de forma bastante dúbia. O mensalão foi um escândalo de corrupção em que partidos políticos aliados do governo deram mesadas a deputados do congresso para voltarem a favor de suas pautas. Bolsonaro fez algo parecido, ao liberar emendas de relator de forma completamente opaca e desavergonhada. As emendas funcionam assim: os deputados pedem acesso ao dinheiro e o presidente da câmara decide para quem o dinheiro vai. Tudo por trás das cortinas. Tendo um presidente no congresso em prol do seu governo, você garantirá apoio para qualquer projeto megalomaníaco que desejar. Caso contrário, você entra numa relação desbalanceada de poder.
Eis a diferença do que acontecia antes para o que acontece agora. Todos os governos tiveram que negociar com o congresso de uma forma eficiente. A maioria optou por algo eficiente e ao mesmo tempo secreto, corrupto e duvidoso. Mas existem alternativas para deixar o processo mais transparente. O governo pode distribuir emendas em troca de apoio, só que os critérios e quem recebe esse dinheiro são informações essenciais, não? De qualquer forma, o petismo terá que enfrentar agora um congresso diferente, mais forte que antes. E menos sensível ao seu charme.
O governo Lula teve uma vitória quando o STF considerou inconstitucional o tal “orçamento secreto”, mas o problema seguia ali. Qual a próxima moeda de troca com o congresso nacional? Eis o orçamento secreto 2.0. Ele segue a mesmíssima lógica do primeiro, só que dessa vez não é o presidente da câmara que distribui as emendas, e sim o governo. Essa foi uma jogada inteligente, que fortaleceu o lado do executivo na balança. Contudo, diversos pesquisadores denunciaram o aprofundamento da falta de transparência para os critérios da distribuição. No mundo da política, a névoa que cobre o poder segue tênue no ar, cúmplice da corrupção necessária para organizar um estado funcional.
Outra questão muito importante: o caráter e as preferências do congresso mudou. Ele é mais bolsonarista, mais líquido em suas relações internas e completamente vorazes em suas relações interinstitucionais. Isso significa dizer que ele é menos afeito às propostas que vem desse governo, tem menos força para se organizar internamente e formar coalizões (em prol ou em contrariedade ao governo) e cobram muito na hora de se sentar à mesa para negociações. Sérgio Abranches, politólogo e sociólogo que cunhou a expressão “presidencialismo de coalizão”, argumenta que isso se dá em grande parte pela dinâmica da dissolução dos grandes partidos tradicionais brasileiros (MDB, PSDB e PT), que proviam a sustentação política, ideológica e social das relações legislativas em suas respectivas épocas e pela implementação do orçamento secreto, que reduziu a visão de longo prazo das preferências políticas dos congressistas. Ora, por que debater políticas públicas de longo prazo se eu posso simplesmente defender algo em troca de algumas emendas.
Ao fim e ao cabo, me permito passar em frente algumas mensagens: a esquerda, voraz por mudanças rápidas, “populares” e feitas através de canetadas, precisarão aprender a fazer política de verdade. O congresso tem problemas estruturais que devem ser resolvidos. Soluções devem ser pensadas em relação ao eterno tema das coalizões, já que ninguém governa sozinho. Todos teremos que entender que o Brasil vive entre o claro e o escuro, entre o velho e o novo. Gramsci diria que aí aparecem os monstros, os sintomas mórbidos. Mas Millôr Fernandes acerta muito mais:
Viva o Brasil,
Onde o ano inteiro,
É primeiro de abril.
Fontes:
Para entender mais sobre o orçamento secreto 2.0 e seus problemas, o artigo disponível no jornal eletrônico Headline traz consigo informações relevantes. O link: https://www.headline.com.br/orcamento-secreto-20-de-lula-e-retrocesso-diz-transparencia-internacional-f2c96afc
Para melhor entendimento da discussão acerca das mudanças estruturais no congresso e suas características, recomendo os textos de Sérgio Abranches, especialmente: https://sergioabranches.headline.com.br/opiniao-o-ecossistema-politico-mudou-e-dificulta-a-governabilidade-02d98902;https://sergioabranches.headline.com.br/opiniao-o-ecossistema-politico-mudou-e-dificulta-a-governabilidade-02d98902
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