Modificação genética: a ética como entrave para o desenvolvimento científico | Laura Oliveira
- Laura Oliveira
- 21 de mai. de 2023
- 5 min de leitura
Por Laura Oliveira De Carvalho
“Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”, esta é uma frase que você provavelmente já ouviu em algum momento da sua vida, e bem, mesmo sendo uma citação de um dos filmes do Homem-Aranha, o tio Ben não errou quando a disse. Uma frase versátil, que vale não só para quando você é picado por uma aranha radioativa, desenvolve superpoderes e se transforma em um super herói, mas também para quando você transforma algo supostamente distópico em realidade por meio do desenvolvimento científico. A história da modificação genética começou muito antes do que muitos pensam, tendo sua primeira tecnologia desenvolvida no final do século XIX, e desde então vem inovando o mundo onde vivemos, mas sempre com muitas problemáticas e questões éticas atreladas aos mecanismos elaborados.
Em 1985, houve a descoberta da, possivelmente, primeira técnica de modificação genética, as nucleases de dedo de zinco (ZFN) que melhoraram a eficácia do direcionamento de genes de várias maneiras. Essa técnica ajudou a promover a ideia da genética “retroativa” em detrimento da genética “avançada”, assim o cientista gera mutações aleatórias em busca de algo significativo e, em seguida, caracteriza o gene que acredita ser o responsável pela mutação, fazendo ser possível a identificação do gene exato causador da mutação, para que seja viável atacá-lo especificamente. Esta foi a primeira de muitas outras descobertas no mundo da engenharia genética, a ciência passou por mudanças significativas durante esses anos, em 1990 tivemos a descoberta dos princípios do CRISPR – Repetições palindrômicas regularmente espaçadas agrupadas –, 6 anos depois houve a clonação da ovelha Dolly – um caso que ficou extremamente conhecido e gerou grande polêmica na época –, diversos outros casos de mudança genética animal apareceram até 2009.

Com a invenção oficial do CRISPR em 2009, que não passava de teorias até então, a modificação de genes em seres humanos se tornou realidade e de maneira mais simples, rápida, barata e confiável que outras metodologias anteriores. Mas afinal, o que é essa tecnologia CRISPR? O “Conjunto de Repetições Palindrômicas Curtas Regularmente Espaçadas” ou CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) é uma região do genoma das bactérias caracterizada pela presença de sequências (de DNA – ácido desoxirribonucleico) curtas e repetidas. Na prática, o que isso significa é que essa região é um sistema de defesa de bactérias, em que pedaços de DNA de vírus invasores são inseridos entre as repetições, sendo usados como uma “memória” numa infecção futura. Fazendo com que quando uma nova infecção – por um invasor com a sequência genética idêntica a alguma dessas “memórias” – ocorra, as bactérias consigam produzir enzimas para acabar com o material genético de forma mais rápida e eficiente.
Uma tecnologia que foi primeiramente desenvolvida e posta em prática em plantas e animais, teve seu primeiro teste em um embrião em 2015, por Junjiu Huang na Universidade Sun Yat-Sen em Guangzhou. Uma pesquisa que foi originalmente rejeitada por revistas científicas ocidentais já que não seguia as regras éticas da ciência, se mostrou uma inovação sem igual para o mundo científico, mas ainda sim com resguardas éticas.. Como o cientista alterou as células que afetam a hereditariedade, seu experimento não foi considerado ético e se tornou uma controvérsia quase instantaneamente pela sociedade, principalmente por ter sido três anos antes de os testes em humanos para CRISPR serem oficialmente aprovados por qualquer órgão governamental. Em 2018 tivemos a liberação desses testes, mas foi em 2020 que o CRISPR se tornou realmente uma sensação em todo o mundo.

O ano de 2020 foi, com toda a certeza, caótico mas também trouxe muitas inovações, principalmente no mundo da engenharia genética. No verão de 2020, os resultados dos ensaios clínicos do CRISPR começaram a aparecer de maneira gradual. Victoria Gray foi a primeira paciente a se submeter ao tratamento da doença falciforme e seus resultados promissores começaram a chegar na mídia. Menos de seis meses depois, em dezembro do mesmo ano, dados mostraram que um total de dez pacientes que receberam a terapia CTX001 – promovida pelo CRISPR – tiveram progressos significativos. Sete desses pacientes estavam sendo tratados para beta-talassemia e os três restantes para anemia falciforme. Todos eles apresentaram grande melhora nos níveis de hemoglobina fetal no sangue, tiveram alívio das crises de dor e não precisaram mais de transfusões de sangue o que é algo incrível, considerando suas situações iniciais.
Agora, com a possibilidade de modificação de genes de forma mais acessível, muitos cientistas já afirmam os diversos benefícios decorrentes dessas técnicas, tendo potencial para ajudar a tratar, principalmente, doenças com base genômica, como fibrose cística e diabetes. Como prova disso, temos o caso de Layla, uma criança de um ano que recebeu um tratamento de edição genética para ajudá-la a combater a leucemia, um tipo de câncer. Mesmo não tendo usado o CRISPR para tratar Layla e sim outra tecnologia de edição de genoma chamada TALENs, esse é mais um dos casos onde a ciência ultrapassa uma barreira para a cura de doenças supostamente sem recuperação. Os médicos tentaram muitos tratamentos antes disso, mas nenhum deles parecia funcionar, então os cientistas receberam permissão especial para tratar Layla usando terapia genética. Esta terapia salvou a vida de Layla. No entanto, tratamentos como o que Layla recebeu ainda são experimentais porque a comunidade científica e os formuladores de políticas ainda precisam enfrentar barreiras técnicas e preocupações éticas em torno da edição do genoma.
Dentre as apreensões éticas quanto a edição genética, temos algumas perguntas que giram em torno principalmente do seguinte questionamento: até onde a modificação genética pode ser considerada ética e passível de ser feita? O uso dessas técnicas traria muitos benefícios no tratamento de doenças incuráveis, mas também abre portas para a aplicação excessiva destas, para modificar aspectos na aparência dos bebês, como cor dos olhos, cabelo, e outros fatores dependentes da genética familiar da criança. Então pode acontecer de pessoas quererem “montar” seus filhos da maneira como preferirem, seria quase como fabricar um bebê, podendo escolher todos os seus aspectos físicos, e é isso que mais gera discussões não só na comunidade científica como também na sociedade como um todo.
Outros questionamentos são: se é correto usar terapia genética em um embrião quando é impossível obter permissão do embrião para o tratamento, e se seria a permissão dos pais suficiente para fazer o tratamento?; Se as terapias genéticas forem muito caras e apenas pessoas ricas puderem acessá-las e comprá-las, apenas essas pessoas seriam capazes de ter seus filhos sem doenças genéticas?; Os cientistas deveriam ser capazes de editar células germinativas, mesmo que as edições na linha germinal fossem passadas de geração em geração? Todas essas perguntas são, de fato, muito pertinentes e devem ser levadas em consideração no desenvolvimento das tecnologias, porém ainda há muitas coisas vindo.
É de extrema importância que os especialistas tenham em vista as barreiras éticas que estão desafiando, mas nunca que se limitem a elas. Neste momento, é essencial que haja responsabilidade nos testes, porque embora o CRISPR tenha melhorado as tecnologias de edição de genoma mais antigas, ele não é perfeito. Os cientistas ainda não têm certeza de como esses erros podem afetar os pacientes, portanto avaliar a segurança das terapias genéticas e melhorar as tecnologias de edição do genoma são etapas críticas para garantir que essa tecnologia esteja pronta para uso em pacientes.
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