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O Crescente Desemprego, A “Uberização” E A Fome No Brasil Pandêmico

  • 13 de abr. de 2021
  • 5 min de leitura

Atualizado: 14 de mai. de 2022

No país, os índices relativos à situação de desemprego são alarmantes: no período de um ano, cerca de 14 milhões de brasileiros enfrentaram, além da crise sanitária, social e política, o desamparo econômico. Esse cenário, assim como fator indispensável para a reconfiguração dos regimes trabalhistas, expõe cruelmente o abismo social da realidade intrínseca a pouco mais de 10% da população: a fome e a miséria.


Os fatores para o agravamento do fenômeno, apesar de parecerem impremeditados e exclusivos ao período atual, já foram predefinidos pela Geografia Moderna em um conceito: o Desemprego Conjuntural – ou Cíclico. Essa definição entende que, em momentos de crise, as pessoas que desejam trabalhar são impossibilitadas de fazê-lo, devido à precariedade de vagas disponíveis em uma fase econômica depressiva, mesmo em áreas essenciais. Na prática, os dados surpreendem: os trabalhadores mais afetados durante a pandemia fazem parte do comércio (- 1,702 milhão, em média), da indústria, dos serviços domésticos (-1,198 milhão) e da alimentação; os quais são setores indubitavelmente fundamentais que bateram recorde de demissões, no ano de 2020.


Então, o que resta? Com a gradual reabertura das ruas, das praias e dos centros em cada estado, os trabalhos informais – serviços nos quais não há assinatura da carteira de trabalho, remuneração fixa, férias pagas ou qualquer direito assegurado pela documentação – exerceram um papel significante na tentativa de manutenção da economia, embora vistos como serviços socialmente marginalizados.


“[...] Esse trabalho nos ajuda a entender a realidade em que vivemos, e o que as pessoas tem feito para tentar trabalhar. Esse é apenas um dos meios encontrados por algumas pessoas para poder se sustentar e manter suas famílias diante da realidade excludente que estamos vivendo em nosso país”, esclarece Roberta Campos, pós-graduanda em Pedagogia Social para o século XXI, na UFF (Universidade Federal Fluminense), em seu artigo jornalístico acerca da precarização do trabalho. “O impacto do trabalho informal é cada vez maior, mais presente e cruel nos dias de hoje, em que muitos ainda são impedidos rigorosamente de trabalhar”, complementa Roberta. Como exemplos desse modelo, observam-se os entregadores, motoristas de táxi, ambulantes e aqueles cuja estrutura de trabalho é definida pelos aplicativos que os selecionam.


Apesar de ser considerada uma medida eficiente a curto prazo, o setor informal depende de diversos fatores, como a incerteza de suspensão dos serviços no regime de isolamento social, imposto por prefeitos e representantes de cada região, a fim de conter o avanço da pandemia. Além disso, no caso dos aplicativos, percebe-se a ascensão de um fenômeno: a “Uberização”, caracterizada pela mediação tecnológica entre clientes e prestadores de serviços; técnica amplamente utilizada por aplicativos de contratação. Dessa forma, os trabalhadores não desenvolvem qualquer vínculo empregatício com as empresas, visto que a remuneração não é fixa e os preços variam de acordo com o local, horário, demanda e outros fatores.


Os malefícios dessa flexibilidade são inúmeros, comumente mascarados pelo discurso de empreendedorismo reverberado pelas organizações dessas empresas. A oscilação de renda, o trabalho em excesso, a insegurança e a pressão psicológica das avaliações dos usuários provocam: estresse, ansiedade, doenças laborais - como lesão por esforço repetitivo (LER) - e acidentes de trânsito, no caso de entregadores e motoristas. Em uma entrevista para a plataforma digital do Estadão, no início de 2020, Samuel Marques – entregador de diversos aplicativos na região do Capão Redondo, SP – desabafa sobre as condições de seu serviço: “A gente não descansa, não me lembro da minha última folga desde que comecei a trabalhar com isso, um ano atrás. Todas as vezes que sento para assistir à televisão em casa, penso que poderia estar trabalhando e fazendo algum dinheiro.” O rapaz vai de bicicleta, com uma caixa térmica de 45 litros nas costas, trabalha pelo menos 12h por dia e sete dias por semana, com um faturamento de, aproximadamente, R$ 1 mil por mês com a jornada – um lucro inferior ao salário mínimo atual, comum a 30 mil outros entregadores do estado de São Paulo.


Ao se depararem com essa situação agravada pela pandemia, muitos trabalhadores e consumidores mobilizaram, por meio das redes sociais, o movimento #BrequedosApps, ocorrido em julho de 2020, em uma greve que reivindicou melhores condições de trabalho para os entregadores de aplicativos de delivery. Esse movimento de proporções nacionais e históricas, embora relevante para a discussão do assunto, apresentou um efeito mínimo na desconstrução desse regime de servidão cruel, testemunhando a vulnerabilidade da população brasileira perante o fenômeno. Porém, em cenário internacional, mudanças já estão ocorrendo: no Reino Unido, a Uber agregou, em março de 2021, um salário mínimo, férias e aposentadoria aos seus motoristas – decisão que pode influenciar a dinâmica das empresas pelo mundo.


Embora crítico, o cenário trabalhista é desagravado se comparado à situação da fome atual: mais da metade da população enfrenta a insegurança alimentar, ou seja, quando não há acesso pleno e permanente aos alimentos. Numericamente, os dados são ainda mais revoltantes: cerca de 19 milhões de brasileiros enfrentam a fome no seu dia a dia, valor correspondente aos habitantes da Grande São Paulo.


É notória a batalha histórica contra a pobreza alimentar no país, porém, nos últimos dois anos, quase 30% foram acrescidos à porcentagem desse vergonhoso obstáculo. A fome e a miséria, acentuadas pela pandemia, pelo desemprego e pela insegurança sanitária não apresentam só número, mas gênero, cor, grau de escolaridade e localidade para comprova-las: famílias chefiadas por mulheres, pretas ou pardas, com baixo grau de escolaridade, localizadas no Norte e no Nordeste fazem parte das principais vítimas no Brasil.


Durante a pandemia, as medidas governamentais voltadas para a mitigação da fome estão distantes da eficácia. Os cortes já ocorridos no programa Bolsa Família, a partir de 2019, e o fechamento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) - o qual apoiava milhares de pequenos trabalhadores rurais, desde 2014 - contribuíram para a insuficiência do auxílio emergencial em conter o cenário, além dos longos atrasos na resposta a pedidos, recusa em disponibiliza-lo sem uma justificativa válida e a necessidade de se ter um telefone celular, conexão à internet e um endereço de e-mail obrigatórios para o cadastro.


Com a ineficiência das políticas públicas em combater esse estado de calamidade, diversos projetos sociais emergem, a fim de amenizar a situação das famílias. Entre eles, está o “Olhe Para a Fome”, uma plataforma digital que, além de explicar as consequências desse fato, direciona o usuário a doar alimentos para os postos de arrecadação da sua cidade. Nas periferias, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) realizou, em março desse ano, a abertura das cozinhas solidárias em Brasilândia, Zona Norte de São Paulo, e pretende expandir para diversos estados, além do Distrito Federal. O projeto, ao fornecer refeições balanceadas, também conscientiza a população a cultivar hortas urbanas que podem auxiliar as comunidades vizinhas e o abastecimento da própria cozinha. Para quem busca ajudar sem sair de casa, o aplicativo “Ribon” – disponível para IOS e Android – converte o número de acessos do usuário em “pontos” para fornecimento de água, comida e medicamentos para ONGs nacionais e internacionais, com acompanhamento integral do usuário de suas doações, por meio do próprio perfil no aplicativo.


Perante as atuais taxas de desemprego, desigualdade trabalhista e fome no Brasil, resta à população mais favorecida o apoio às organizações comunitárias, aos sindicatos trabalhistas e a reivindicação dos direitos fundamentais das populações mais vulneráveis; e, acima de tudo, melhor execução dos planos governamentais para evitar o contágio da população no trabalho, procurando diminuir a informalização e impedir que, em um dos maiores países agroexportadores do mundo, sua população esteja, paradoxalmente, faminta.

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