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O que está acontecendo com a Americanas?

  • Foto do escritor: Henry Lisak
    Henry Lisak
  • 26 de jan. de 2023
  • 9 min de leitura

Imagina “esquecer” de colocar no seu imposto de renda que você tem uma dívida de o que, 20 mil reais, 20 milhões de reais? Não. 20 BILHÕES!!! E depois descobrir que sua dívida tem O DOBRO DESTE VALOR? Ou então ter em sua carteira de investimentos uma ação que em UM DIA perde mais do que o BITCOIN perdeu em UM ANO? É sobre isso e muito mais que eu falarei abaixo, onde explicarei o que aconteceu com a Americanas.

A Americanas é uma empresa do ramo do varejo, isto é, uma empresa que vende produtos em pequenas quantidades para os consumidores de um modo geral. Ela foi fundada em 1929 por um grupo de empresários constituído por um austríaco e três americanos, que foram os responsáveis pelo nome “Americanas”. A rede de lojas cresceu, e com isso ela decidiu ofertar ações na Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, em 1940 (de forma bem resumida, ela decidiu que queria ter outras pessoas investindo nela, já que com o investimento de mais pessoas, mais dinheiro fica disponível para que a empresa possa crescer, e com isso ela colocou pequenos “pedacinhos” à venda, para que qualquer um pudesse comprar estes pedaços e se tornar parte dos “donos” do grupo). Em 1983, o grupo 3G Capital, formado pelos bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, que fundaram o Banco Garantia (hoje parte das empresas das quais o banco suíço Credit Suisse, considerado um dos maiores bancos do mundo, é dono). O trio também é dono de empresas como a AmBev (fabricante de bebidas, dona de marcas como a Brahma e Antarctica), Burger King (sim, aquela do Whopper), Heinz (fabricante de Ketchupp) e muitas outras. A empresa cresceu e se tornou uma das maiores do varejo no país, ficando em 2016 atrás apenas do Walmart Brasil, do Carrefour Brasil e do Grupo Pão de Açúcar (respectivamente). Com esse crescimento, a empresa foi adquirindo outras companhias, como a Submarino (que quando se fundiu com a Americanas gerou uma nova empresa internacional, conhecida como B2W), Shoptime e Sou Barato, além de criar outras empresas, como a AME (empresa de cashback), a americanas.com (site para a venda online dos produtos do varejo), entre várias outras. Hoje, a empresa é dona de redes como o Hortifruti Natural da Terra, Imaginarium (loja de presentes) e Puket (loja de roupas), por exemplo.

Agora que já sabemos um pouco da história desta grande empresa, é hora de falar sobre o que de fato aconteceu para que empresa tivesse uma queda em suas ações em apenas um dia maior do que a queda do Bitcoin em um ano.

Ao longo dos últimos 20 anos, o grupo Americanas teve como presidente Miguel Gutierrez (alguém tão discreto que nem mesmo pessoas do ramo do varejo o conheciam direito), que em 2022 anunciou sua saída da empresa. Gutierrez saiu logo após a empresa unir as duas operações que tinha, ou seja, no ano passado, a empresa, que antes era dividida em duas empresas, Lojas Americanas (que vendia apenas o varejo em lojas físicas) e B2W (que era a empresa responsável pelas vendas online), resolveu unir as operações, para melhor o serviço, facilitando processos que antes eram complicados por serem duas coisas separadas. Para o seu lugar foi escolhido Sérgio Rial, membro do conselho administrativo (que é um pedaço dentro da empresa que auxilia os diretores na tomada de decisões, além de fazer uma “ponte” entre a diretoria e os donos da empresa) de empresas como o Santander Brasil (banco onde ele foi o presidente de 2016 a 2021, e onde era até o início da crise o presidente do conselho), a Vibra (rede de postos de combustíveis onde ele também era o presidente do conselho) e a BRF (empresa dona de marcas como Sadia e Perdigão, onde ele era o vice-presidente do conselho). Como deu para ver, seu currículo é riquíssimo, e seu nome é super respeitado no mercado. Junto com ele, assume o novo diretor financeiro André Covre, também com um currículo invejável, tendo trabalhado em empresas com o Grupo Ultra (empresa de fornecimento de gás natural e combustíveis, dona de marcas como a rede de postos Ipiranga e a Ultragaz. Covre foi o Diretor Financeiro e de Relações com o Investidor de 2007 a 2015) e na rede de farmácias Extrafarma (que faz parte do Grupo Ultra. Covre fez parte da diretoria da rede de 2015 a 2018).

Rial assume então a presidência no dia 2 de janeiro de 2023, com o mercado tendo ótimas expectativas para a gestão. Porém, no dia 11 de janeiro, com apenas 9 dias no cargo, a empresa solta por volta das 20h00 daquela noite um fato relevante (um aviso ao mercado que relata algo importante e que não pode ser ignorado), onde é relatado que foram encontradas “inconsistências contábeis” nos balanços da empresa com valores por volta de 20 BILHÕES de reais. Posteriormente, se descobriu que este valor é por volta de 43 BILHÕES. Basicamente, isto quer dizer que os números que eles relatavam nos documentos emitidos pela empresa (que de forma bem distante, pode ser considerados a declaração do imposto de renda desta empresa, já que nesses balanços elas falam sobre todos os movimentos que envolveram na empresa em um determinado período) não batiam com o que havia ocorrido de fato nos últimos 10 ANOS. Além disso, o fato relevante ainda dizia que tanto Rial quanto Covre deixavam seus cargos, ficando menos de 10 dias no comando da empresa. No lugar de Rial e Covre, assumiu João Guerra (que acumulou as funções de ambos), que já possuia um papel na diretoria da empresa. Logo no dia seguinte, o valor das ações da empresa caiu de R$11,71 para R$2,72, uma queda de 77,33%, EM APENAS UM DIA, queda maior do que a do Bitcoin no último ano inteiro (66,43%). No dia em que escrevo este texto (25/01), as ações já caíram 91,89% em relação ao dia 11/01, enquanto caíram 99,22% desde a máxima histórica do ativo.

Com o caos instaurado, Rial assumiu uma posição de consultor (pessoa responsável por auxiliar na tomada de decisões, além de indicar o melhor caminho a ser tomado) para a empresa até que esta contratou o banco de investimentos Rothschild & Co, que ficou responsável como a interlocutora que irá renegociar a dívida da empresa, ou seja, ela ficará no meio da conversa entre a Americanas e os bancos a quem ela deve.

“Mas espera, de onde surgiram estes bancos?”

Eles estão no centro destas “inconsistências”. Basicamente, as empresas do setor de varejo se utilizam de uma estratégia chamada “Risco Sacado” para realizarem a compra dos produtos que elas irão vender. O que ocorre nesta estratégia é que as empresas negociam com seus fornecedores o pagamento dos produtos em prazos de 30, 60 ou 90 dias, ficando assim com uma dívida por este tempo com estes fornecedores. As empresas então pedem para os bancos pagarem estas dívidas, para que assim tenha menos juros (quanto antes se paga uma dívida, menos se cobra de taxa de juros, então é mais vantajoso pegar dinheiro de um banco com juros mais baixos e prazos mais longos, pagar a dívida com as fornecedoras e desta forma ficar com uma dívida mais baixa com os bancos e com mais tempo para pagar). Como deu para ver, a empresa “transferiu” as dívidas que ela tinha com o fornecedor para um banco. O problema é que quando uma empresa tem uma dívida com o banco, esta dívida deve entrar na parte de dívidas com Instituições Financeiras no balanço, e não mais na parte de Fornecedores, visto que agora o dinheiro devido deve ir para os bancos. Esta era uma dúvida antiga no varejo (onde os valores do Risco Sacado deveriam entrar no balanço), e por isso, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), determinou que os lançamentos devem ser feitos na parte das Instituições Financeiras, enquanto a Americanas colocou estes valores ao longo dos últimos 10 anos na parte de fornecedores (ou seja, os valores foram relatados nos balanços, porém como estavam no lugar errado, isso afeta o cálculo feito para saber qual o valor de mercado da empresa).

“Mas que diferença isso faz?”

Isso faz com que o valor de mercado da empresa (quanto seria necessário pagar para que ela fosse comprada) seja alterado, fazendo com que parece que a empresa tem mais dinheiro do que ela tem de fato. Isso ocorre pois na hora de se calcular o valor da empresa, os números da dívida com fornecedores não são utilizados, já que a empresa pagará a eles o valor devido assim que receber o pagamento pelos produtos fornecidos por estes fornecedores. Já os valores devidos a bancos devem ser considerados, pois a empresa pode (e normalmente é o que ela faz) pegar um empréstimo com o banco para que ela cresça ou melhore alguma área da companhia, e posteriormente ela pagará esta dívida, que pode ficar sem ser paga por vários anos.

“Mas então se a CVM já tinha determinado como deveria ser feito, por que a Americanas não seguiu?”

Esta é a pergunta de milhões (ou melhor, bilhões). O que se acredita é que a empresa possa ter escondido estes valores de forma proposital, fazendo com que a empresa parecesse melhor do que estava, levando mais pessoas a investir nela, e assim a ajudasse a crescer ainda mais. Apesar do 3G Capital (aquele grupo que falei lá traz, dono do Burger King e da Heinz, e que hoje é o maior dono de ações da companhia, tendo mais de 30% da empresa) afirmar que não tinha conhecimento do problema, como o grupo já teve problemas semelhantes antes tanto no Brasil quanto fora, acredita-se que eles podem estar envolvidos com a fraude, que seria considerada a maior do Brasil em toda a história (caso seja confirmado que eles esconderam de forma proposital, este caso passaria a ser considerado uma fraude fiscal, que ocorre quando o dono/presidente da empresa opta, propositalmente, por esconder valores para parecer que a empresa está melhor do que está de fato). Além disso, estes bilionários, juntamente com outros grandes executivos da empresa, venderam ao longo dos últimos meses mais de 200 milhões de reais em ações da companhia, e este movimento está sendo investigado como “insider trading”, que ocorre quando pessoas conseguem informações antes do mercado, o que as permite vender antes do resto dos investidores (Insider Trading é crime, e por isso está sendo investigado pela CVM).

A Americanas pediu recuperação judicial (processo onde a empresa consegue um prazo de 180 dias para determinar o que fazer para “arrumar a casa” e renegociar as dívidas com credores) tanto aqui quanto nos Estados Unidos após ter sido protegida pela justiça de pagar as dívidas que venceriam agora, deixando a situação da empresa “menos pior”. Porém, o Banco BTG Pactual obteve o direito de bloquear 1,2 bilhão de reais da empresa, aumentando ainda mais a crise (o bloqueio foi feito para impedir que americanas dê calote no banco, ou seja, não pague sua dívida no prazo correto).

Com o pedido de recuperação judicial e toda a crise, a empresa foi rebaixada por casas de classificação de risco para um risco de calote altíssimo, ou seja, grandes agências de classificação como Standard & Poor’s, Fitch e Moody’s afirmaram que o risco de a Americanas não pagar o dinheiro para aqueles à quem ela deve é extremamente alto, sendo arriscadíssimo investir nela agora.

Esta crise na Americanas ainda está no começo, mas já afetou várias outras empresas e várias pessoas. A Americanas afeta de forma direta os bancos com tinha dívidas, sendo estes: Deutsche Bank, R$ 5,8 bilhões; Bradesco, R$ 4,8 bilhões; Santander Brasil, R$ 3,65 bilhões; BTG Pactual, R$ 3,5 bilhões; BV (antigo Banco Votorantim), R$ 3,2 bilhões; Itaú, R$ 2,8 bilhões; Safra, R$ 2,5 bilhões; Banco do Brasil, R$ 1,36 bilhão; Daycoval, R$ 509 milhões; Caixa Econômica Federal, R$ 501 milhões; ABC Brasil, R$ 416 milhões; e BNDES, R$ 276 milhões. Além dos bancos, há outras empresas de outros setores, como tecnologia (Apple, R$ 98 milhões; Google, R$ 94 milhões; e Facebook, R$ 11 milhões), fabricantes de chocolates (Nestlé, R$ 259 milhões; Mondelez, R$ 97 milhões; Neugebauer, R$ 15 milhões; e Hershey’s, R$ 16,7 milhões), e fabricantes de eletrônicos (Samsung, R$ 1,2 bilhão; Semp, R$ 70 milhões; LG, R$ 52,8 milhões; Lenovo, R$ 31 milhões; e Dell, R$ 36,8 milhões). Outras empresas foram afetadas de forma indireta, como as concorrentes Mercado Livre, Magazine Luiza e Via (dona das Casas Bahia), podendo tanto se beneficiar quanto irem pelo mesmo caminho da Americanas, já que ao mesmo tempo que as dificuldades da concorrente pode fazer com que estas ganhem mais pedaços do mercado (já que os consumidores da Americanas passariam a comprar com elas), elas podem também revelar o mesmo problema que gerou todo este caos (tanto a Magalu quanto a Via são auditadas pela mesma empresa que auditava os balanços das Lojas Americanas, isto é, a Pricewaterhouse Coopers (PwC), é a empresa responsável por analisar os balanços das 3 empresas, para garantir que não há nada de errado neles. Uma vez que ela já deixou passar estes problemas em uma das empresas, é possível que ela tenha deixado passar nas outras também, mesmo que a Via já tenha afirmado que não possui este tipo de problema. A PwC também está sendo investigada, para saber o que aconteceu para eles não verem estes problemas). Por fim, outra empresa que foi afetada de forma indireta é a AmBev (dona da Brahma e da Antarctica), já que ela é de propriedade do grupo 3G capital, levando o mercado a se preocupar, já que pode haver problemas também na empresa, considerando o histórico do trio bilionário. Além de empresas, muitas pessoas perderam muito dinheiro com a crise. Algumas perderam com as ações da Americanas, enquanto teve até gente que perdeu dinheiro em um fundo de renda fixa (fundo que você sabe exatamente quanto irá receber ao final da data do investimento) do Nubank, já que este fundo possuía debentures (títulos onde o investidor empresta dinheiro para uma empresa e ao final do investimento ele recebe o dinheiro de volta acrescido de uma taxa já pré-estabelecida) da Americanas, que caíram de valor com a crise.

Se com apenas 14 dias desde o fato relevante (escrevo no dia 25/01) já temos todas estas informações reveladas, e ainda há muito por vir, é apenas com o passar do tempo que poderemos ver os resultados deste turbilhão.





Bibliografia:


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