A política da morte? Armamento nos Estados Unidos | Por Artur G. Miranda
- Artur G. Miranda
- 4 de out. de 2022
- 3 min de leitura
A ideia dos Estados Unidos da América enquanto um país pró-armamento se tornou um clichê. As produções cinematográficas americanas retratam muito bem essa ideia. Na quarta temporada de Stranger Things, série americana bastante popular entre jovens, em seu penúltimo episódio, temos uma cena onde os protagonistas, adolescentes, compram armas em uma loja de armamentos facilmente, sem quase nenhuma restrição. A população americana possui cerca de 393 milhões de armas, 44% das famílias americanas possuem algum tipo de armamento de fogo, 30 estados americanos permitem o porte de pistolas sem qualquer licença e 12 permitem para qualquer tipo de arma, nenhuma regulação necessária. 39.000 cidadãos americanos morrem em decorrência do uso de armas a cada ano, uma média de 100 pessoas por dia. Quase metade do total de americanos conhece alguém que já foi baleado, e tiroteios em massa ocorrem mensalmente. Para a Anistia Internacional a violência com armas de fogo nos EUA é uma crise dos direitos humanos. Nesse texto discutirei como o armamento se tornou uma parte integral do imaginário americano, e quais as consequências políticas e sociais dessa obsessão cultural. [1]
A história do armamento na América começa quando os EUA ainda eram uma colônia. Não possuindo um exército ou qualquer tipo de força para proteger a população colona, milícias foram formadas. Eles caçavam animais, oprimiam indígenas e asseguravam algum tipo de lei. Com a explosão da revolução americana, milícias foram novamente formadas, agora para defender a América da opressão colonial inglesa. Ao fim da revolução, os Estados Unidos construíram a sua constituição, e nela concederam o direito de formar de milícias bem reguladas e da população possuir armas. A lei das milícias de 1792 (1792 Militia Act) obrigava os americanos brancos de 18 aos 45 anos a possuírem um mosquete, balas e coldre. Naquele contexto, era importante que os americanos pudessem se defender por si próprios, uma vez que as forças do estado estavam em formação. Ainda sim, é importante salientar que até o início e meados do século 20, boa parte dos estados americanos não permitiam ou limitavam o porte de armas. A partir de 1990, os americanos compraram 171 milhões de armas e os estados começaram, lentamente, a permitir o porte de armas, até que 30 estados o permitam, sem qualquer regulação, em 2022. Essa mudança ocorre, em partes, pelo medo da violência, que se tornou forte na sociedade americana do limiar do século 21. [2]
O maior argumento dos estadunidenses que apoiam o armamento aponta que mais armas geram menos crimes. Na verdade, estudos apontam que estados americanos que possuem mais armas também possuem mais ataques violentos envolvendo armas. Armas em casa também estão relacionadas a maiores números de feminicídio, homicídio e suícidio. Os Estados Unidos da America possuem indicadores de violência com armas maiores que os do Reino Unido, do Canadá e da Nova Zelândia. Estados com leis regulatórias menos rígidas em relação a armas têm mais crimes cometidos com elas. Por fim, a ideia de que americanos efetivamente usam armas para se defender também é falsa, já que isso simplesmente não é comum. Portanto, o armamento não serve enquanto política da vida e da segurança, mas da morte e do medo. [3]
Finalmente, é necessário entender que mais da metade da população americana apoia políticas mais estritas em relação ao armamento, e 3% da população tem quase metade das armas no país. Atitudes como a da Suprema Corte, de considerar o armamento um direito individual (eles fizeram isso em 2008) não respondem aos anseios da população, e mais servem aos interesses de organizações pró-armas como o NRA (National Rifle Association). Políticas muito pouco rígidas no que tange o controle de armas geraram uma crise dos direitos humanos, tal como a Anistia Internacional definiu. Centenas de americanos sofrem com familiares que morreram em tiroteios em massa, e mais da metade de todos eles conhecem alguém que já foi baleado. Até quando a política do medo e da morte continuará em vigor? [4]
Referências:
[1] Para ter acesso aos dados citados e à categorização da anistia internacional, veja: https://www.amnesty.org/en/what-we-do/arms-control/gun-violence/
[2] Para entender melhor a história do armamento nos Estados Unidos, veja:https://magazine.jhsph.edu/2021/brief-history-guns-us; https://www.topic.com/automatic-for-the-people
[3] Os dados aqui citados podem ser encontrados em: https://www.scientificamerican.com/article/more-guns-do-not-stop-more-crimes-evidence-shows/; https://www.vox.com/23142734/america-mass-shooting-gun-violence-control
[4] Os dados em relação ao número de americanos que apoiam leis mais rígidas contra o armamento podem ser encontrados aqui: https://news.gallup.com/poll/325004/support-stricter-gun-laws-lowest-level-2016.aspx; O dado de que apenas 3% da população possui quase metade das armas pode ser encontrado no último link da nota [3]; Para entender melhor a história do NRA, ver os links da nota [2]; Para o número de mortos em tiroteios em massa, ver: https://www.theguardian.com/us-news/ng-interactive/2021/may/27/us-mass-shootings-database.
Parabéns pelo texto! Amei ver seu nome no título!