A política por trás das Olimpíadas
- 12 de ago. de 2021
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Estamos em época de Olimpíadas, e isso não só significa que você e mais metade do Brasil rapidamente se tornaram especialistas em diversos esportes, comentaristas de televisão e amigos íntimos de jogadores que nem sabiam da existência; já que, para muitos, os jogos começaram com sua abertura (23 de julho) mas se você acompanha as notícias, as discussões estão esquentando há vários meses.
Não se sinta sozinho se pensou em algum momento: “Olimpíadas em plena pandemia? Seria mesmo uma boa ideia?”, pois você certamente não está: mais de 80% dos japoneses eram – e são – contra Tóquio sediar os jogos de 2021, e vários cidadãos foram às ruas, levando consigo cartazes que pediam seu cancelamento. Isso ocorreu principalmente pela alta de casos de COVID-19 que ocorre no país.
Não é só a falta de público que nos chama atenção nas Olimpíadas atrasadas de 2020: desde sua preparação conturbada, várias vozes se levantaram na internet, com o desejo de boicotar os jogos. Várias acusações foram feitas, muitas relacionadas aos óbvios problemas de segurança dos esportistas e de todos aqueles envolvidos, a fim de que tudo ocorra conforme o planejado. Outros argumentos estão relacionados com uma aparente necessidade histórica de dificultar a participação e até excluir atletas negros.
Recentemente, houve veto de utilização de Soul Cap, uma marca de toucas de natação afro, as quais são planejadas especificamente para ajustar e oferecer devida proteção contra o cloro para dreadlocks, afros, tramas, extensões de cabelo, tranças e cabelos grossos e encaracolados. Diversos atletas negros que se levantaram para falar sobre o assunto se demonstraram decepcionados, mas não surpresos com o transcorrido.
Essa decisão fomenta o problema de falta de diversidade nas piscinas (tanto olímpicas quanto públicas). Já foi dito diversas vezes: pessoas com pelos naturalmente cacheados, ou que optam por trançá-los, tem de escolher entre seus cabelos ou a natação, um dos dois terá de ser sacrificado, abandonado. A Soul Cap foi uma solução recente que impedia que tal problema surgisse, proporcionando a oportunidade dum número maior de participação de atletas de etnias diferentes.
É até irônico poder dizer que, ao mesmo tempo que isto ocorreu, foi liberado pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) que manifestações políticas – antes expressamente proibidas pela Regra 50 da Carta Olímpica, com risco de punições – são agora permitidas, contanto que ocorram fora dos pódios. Essa regra foi imposta após a edição de 1968, quando atletas levantaram seus punhos fechados e abaixaram suas cabeças antes de receber suas medalhas, símbolo conhecido no combate de discriminação nos EUA.
A nova regra já foi posta em uso em 2021. Nos primeiros jogos de futebol, masculinos e femininos, jogadores de ambos os lados se ajoelharam antes da partida se iniciar: gesto conhecido por simbolizar a batalha contra o racismo, popularizado após o assassinato de George Floyd, em maio do ano passado.
É curioso parar para analisar essas situações, já que esse ano as próprias Olimpíadas batem diversos recordes internos: maior número de atletas publicamente LGBTQIA+ (mais de 160) e mulheres participando (49% dos esportistas), além da presença clara de atletas negros subindo em pódios.
Isso é surpreendente quando se lembra de que as Olimpíadas estão ocorrendo esse ano no Japão, já que a situação de protagonismo para a mulher japonesa pouco mudou desde a última vez que sediou os jogos, em 1964. O país está entre as maiores economias, mas a sociedade ainda está presa numa realidade em que papéis de gênero definem a vida de uma pessoa. Além da escassez de mulheres em posições de poder, é fato que as leis são muitas vezes utilizadas para colocar mulheres em situação de perigo ou desconforto.
Pode parecer desnecessário politizar os jogos Olímpicos, mas é quase ingenuidade não pensar que esse evento é político por natureza. Vários marcos mundiais já ocorreram durante as Olimpíadas, e vão continuar ocorrendo. Um ótimo exemplo é a aproximação entre as duas Coréias, por um aperto de mão entre o presidente sul-coreano e a irmã do líder norte-coreano, durante as Olimpíadas de Inverno, em Seul (2018).
Os jogos tentam ser apolíticos, mas, na maior parte das vezes, são usados como uma forma de “quebrar o gelo” (diplomaticamente) entre tensões mundiais. Um país que não participar desse evento, o qual ocorre uma vez a cada quatro anos, recebe grande atenção da mídia.
É difícil não se deixar levar pelo sentimento patriota de torcer pelo seu país, além dos momentos tocantes de superações individuais e coletivas que somente os esportes proporcionam. Então, por mais que seja contagiosa a vontade de se juntar aos berros de animação e/ou vaias em conjunto, é importante trazer reflexões à mente, questionando o que antes era óbvio até demais.
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