Afeganistão e o Histórico Estadunidense
- Antonio Motyole
- 4 de mai. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 8 de mai. de 2021
No último mês, abril de 2021, o Presidente estadunidense Joe Biden anunciou a retirada de tropas do Afeganistão, o que me lembrou do filme recente da Netflix: “Os Sete de Chicago”, que retrata o julgamento de ativistas contrários à campanha militar no Vietnã. O filme mescla o revoltante com o engraçado, o juiz tendencioso representando um Estado vingativo e o hippie que o desacata, mas convenhamos: você não está aqui para saber sobre a “sublime direção de arte” ou a “empolgante trilha sonora”. Afinal, aqui é o Jovem Político, não o Letterboxd... O filme é importante para nos lembrar desse histórico de guerras motivadas por interesses próprios e uma visão narcísico-patriótica, além de presenças desestabilizadoras e derrotas disfarçadas desde a Guerra Fria até os conflitos atuais. A Guerra do Vietnã foi uma das mais famosas derrotas dos EUA durante a Guerra Fria, foi uma tentativa sangrenta de impedir o “efeito dominó” que possivelmente levaria outros países da Ásia a se aliarem à União Soviética. Depois de aproximadamente 1,6 milhão de mortos e alguns crimes de guerra, os Estados Unidos desistiram de mais uma intervenção que fracassou. Voltando para o agora, o discurso de Biden “põe fim” a uma guerra que entra no seu vigésimo ano. Entretanto o fim é apenas para os EUA, o conflito segue para seus aliados afegãos. Mas, para entendê-lo de verdade, eis o contexto histórico resumido: o conflito no Afeganistão começa com uma tentativa de afastar a doutrina comunista; até aqui nenhuma novidade. Os Estados Unidos apoiaram e equiparam grupos rebeldes, que seguiram no conflito por 23 anos e quatro guerras nas quais, por fim, o Taliban (movimento islâmico fundamentalista) passou a governar o Afeganistão. Chegamos agora ao evento que mudou o mundo, Osama Bin Laden, participante da insurreição afegã, funda a Al Qaeda e coordena os ataques do Onze de Setembro em 2001. O ponto de vista estadunidense é compreensível: o grande líder global da liberdade e da democracia foi atacado em seu próprio território... George Bush, Presidente no período — convencido de que precisava restaurar a imagem do próprio país — ataca o Talibã e a Al-Qaeda no Afeganistão. No fim do mesmo ano, a área de atuação do Talibã já tinha sido muito reduzida. Entretanto, buscando também uma vitória mais tangível, Bush voltou-se ao Iraque; derrubar um ditador acusado falsamente de possuir “armas de destruição em massa” e ligações com terrorismo seria ótimo para a autoestima nacional (já dá para perceber um padrão aqui, não?). A campanha, feita ignorando o Conselho de Segurança da ONU, foi um sucesso! Derrubou Saddam Hussein em 2003, deixou um vácuo de poder que originou outros grupos rebeldes e enfraqueceu a presença dos EUA no Afeganistão ao realocar recursos. É paradoxal, sim, eu sei, mas, dois meses depois da invasão ilegal, lá estava George W. Bush discursando com uma bandeira enorme que dizia “Missão Concluída” (???). Já em 2009, Obama volta a dedicar as forças estadunidenses a esta guerra e em 2011 consegue outra vitória que satisfaz o sentimento de vingança nacional: Bin Laden é assassinado. Trump também tenta finalizar a guerra, mas não consegue. E é nesse contexto que o atual presidente Biden se retira da situação dizendo que o objetivo estadunidense de impedir que o Afeganistão seja usado como uma base terrorista foi atingido, mesmo que o Talibã ainda esteja ativo, tendo causado a morte de 4.846 pessoas em 2020. Se você me acompanhou até aqui, por mais paradoxais que certos momentos possam ser, ficou claro o aspecto narcísico estadunidense de entrada em guerras e de diplomacia voltada para construção da imagem de uma liderança global pela liberdade. Uma liderança que busca controlar a política global desde a Guerra Fria e se vê, hoje, no Oriente Médio como uma força pelo bem e enquanto assegura, obviamente, seu suprimento de petróleo. Finalmente, a saída dos Estados Unidos do Afeganistão é mais uma derrota de um projeto de reconstrução; que deixará o sub-equipado exército local nesse conflito de 43 anos sem um fim no horizonte.
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