ANTICONCEPCIONAL: LIBERDADE SEXUAL OU OUTRA FORMA DE CONTROLE PATRIARCAL?
- 10 de mai. de 2022
- 4 min de leitura
É inegável que fazer sexo somente com o intuito de sentir prazer, era, e em alguns casos ainda é, apenas uma prerrogativa masculina. A questão da sexualidade feminina foi determinada historicamente, em torno da reprodução e da satisfação dos desejos do parceiro. Além de ser um tabu, o sexo para as mulheres foi, durante muitos anos, sinônimo de risco de uma gravidez não planejada, portanto, separar o ato sexual da possibilidade de reprodução foi um avanço para a conquista feminina. Contudo, apesar do avanço que o uso do anticoncepcional trouxe à realidade da mulher moderna, faz-se necessário compreender as consequências imbricadas no processo de produção da pílula e os interesses “escondidos” por trás dessa produção.
Pensar que o controle da natalidade obtido com a utilização da pílula anticoncepcional foi apenas uma conquista da mulher é uma ingenuidade corriqueira da nossa sociedade. É inegável que tal fato foi uma conquista, mas tal realização só foi possível, pois ela era também uma necessidade do mercado! A sociedade eminentemente urbana do século XX necessitava da mão de obra feminina nas fábricas, participando da linha de produção para que o mercado de consumo capitalista tomasse forma e se tornasse o que conhecemos hoje.
Foi neste contexto histórico, que a primeira pílula anticoncepcional foi lançada no mercado no dia 03 de maio de 1960, nos Estados Unidos. A pílula Enovid foi criada com altas concentrações de hormônios, com altos níveis de estrogênio sintético e de progesterona (hormônios sexuais). Mas antes de chegar ao mercado a pílula passou por inúmeros testes e estudos, que são, até os dias atuais questionáveis se pensarmos nos métodos de aplicação dos mesmos. Os primeiros testes da pílula falharam, pois, a maioria das mulheres não conseguiam levar o estudo até o final, em virtude da falta de acompanhamento médico e dos inúmeros efeitos colaterais gerados pelo uso da medicação: dores abdominais, cólica, coágulos etc.
Os testes foram levados para clínicas psiquiátricas e aplicados em mulheres, em estado de total vulnerabilidade, que não tinham a menor condição de decidir se queriam ou não passar pelo estudo! Mesmo com os resultados a indústria farmacêutica ainda precisava que a pílula fosse testada em larga escala para que tivesse aprovação para venda. Então, foi realizada uma parceria com o Governo de Porto Rico que tinha interesse em inserir o controle da natalidade no país, e os testes passaram a ser realizados com essas mulheres. O estranho é que nenhuma delas era avisada antes do início dos testes dos possíveis efeitos colaterais, o que era informado era que o teste se tratava de uma nova medicação que impedia a gravidez. Estudos revelam que cerca de três mulheres porto-riquenhas morreram durante os testes, e que nenhuma delas recebeu suporte da empresa que realizava o estudo e que posteriormente lançou o Enovid no mercado americano e mundial.
O anticoncepcional hormonal é um comprimido que inibe a ovulação e modifica o muco cervical tornando-o hostil para o espermatozóide. Conforme foi dito anteriormente a primeira pílula anticoncepcional continha altas doses de hormônios sintéticos e por isso sua utilização gerou inúmeros efeitos colaterais e a indústria recebeu várias críticas, sendo forçados a lançar no mercado pílulas com uma quantidade cada vez menor dos hormônios. Atualmente existe uma infinidade de tipos de pílulas anticoncepcionais, com variadas fórmulas, mas que têm a mesma finalidade, impedir a ovulação.
Se pensarmos nos avanços científicos é inegável que a saúde da mulher, principalmente no que concerne ao uso de métodos contraceptivos, teve inúmeros avanços ao longo dos anos. Mas, tal fato nos remete novamente às necessidades mercadológicas de obtenção deste produto. Uma mulher fica grávida somente uma vez ao ano, enquanto um homem pode engravidar cerca de 9 mulheres por dia. Isso nos leva a pensar, por que a indústria farmacêutica não criou então, até hoje, uma pílula anticoncepcional para os homens? Essa pílula já foi criada, e é constituída por hormônios que atuam diminuindo a quantidade de testosterona e consequentemente a produção de espermatozóide. Mesmo já tendo sido testada em alguns homens a pílula ainda não está disponível para venda, em decorrência dos efeitos colaterais oriundos de sua utilização como alteração de humor, diminuição da libido e aumento de acne. Esse é apenas mais um indício que a pílula anticoncepcional feminina era interessante para o mercado e para o Estado, uma vez que seu uso foi liberado mesmo com todos os efeitos de sua utilização como: trombose, câncer de útero, ovários e mama, hemorragia, diminuição da libido, enjôos, náuseas, dentre outros. E ainda questionam o patriarcado em nossa sociedade, mesmo com todos os indícios históricos que levam a uma supremacia masculina.
Em síntese, a luta pela liberdade sexual e pelo direito de escolha na contracepção de uma gestação perpassa a história de opressão feminina, que foi, ao longo dos anos, delegada a homens e que, somente atualmente passou a ser mais discutida e aceita pela sociedade. Essa busca pela liberdade é muito mais profunda que a busca pelo prazer proporcionado pelo ato sexual, até porque a mulher não tinha nem mesmo liberdade para conhecer os limites de seu próprio corpo, fato que nunca foi negado ao homem! Conhecer as possibilidades que a liberdade sexual pode trazer a vida do ser humano é, sobretudo, um direito de todos, e algo que nos foi negado durante muitos séculos.
NOTA FINAL DA AUTORA: O objetivo do texto não é de maneira alguma negar a importância dos métodos contraceptivos e sua relevância para ascensão da mulher na sociedade atual. Sobremaneira é necessário compreender e questionar os objetivos presentes na história que, mesmo elevando a condição social dessa mulher, ainda a coloca à margem socialmente, economicamente e culturalmente. Outro ponto importante é enfatizar que, no texto a referência utilizada é a mulheres cis, pois historicamente a luta pela liberdade sexual e pelo direito de escolha a concepção foi travado por elas, embora homens trans também possam engravidar. Para que o leitor conheça mais a fundo sobre a criação da pílula anticoncepcional indico a obra “O nascimento da pílula” de Jonathan Eig.
Comments