Apenas Transferência de Conhecimento a Distância
- Antonio Motyole
- 6 de abr. de 2021
- 3 min de leitura
Desde Fevereiro de 2020, o distanciamento social, necessário aos cuidados na Pandemia, colocou em destaque a modalidade de ensino “a distância", a dominante desde 2018 em número de alunos de ensino superior (de acordo com o Inep/Censo de Educação Superior). Entretanto, apesar de difundido, o termo EAD é utilizado comumente de forma a englobar duas práticas similares em seus meios, mas distintas em seus fins: há o “ensino a distância” em si e o “ensino remoto”, ambas apresentando aspectos dificultadores do processo educativo. Tendo em vista o Ensino a Distância, esse é regulamentado desde 1996 por meio da Lei 9.394, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ademais, sua crescente participação na Educação Superior tem sido vista como uma forma de barateamento do processo educativo. Como colocado pelo Prof. Dr. Dermeval Saviani, pesquisador da Pedagogia Histórico-Crítica, vinculado à UNICAMP, o EAD é fruto de uma precarização do ensino, pois separa a aula em suas partes fundamentais e simultâneas: produção e consumo - como ocorre em videoaulas, as quais são gravadas com antecedência. Além disso, a ausência do professor em si durante o processo de ensino e aprendizagem deve ser observada com atenção, pois esse é substituído pelo do tutor, que trabalha como mediador entre aluno e professor e (na maioria das vezes) recebe salários menores, mesmo que na prática exerça uma função de educador. Por outro lado, tanto o Ensino Fundamental quanto o Médio tiveram que migrar para a forma remota, seja ela através da internet, principalmente, ou ainda da televisão ou rádio; um processo vital para garantir a continuidade da educação e permitido excepcionalmente devido ao caráter emergencial do contexto em curso. Contudo, como avaliado por pesquisadores da FGV em um estudo sobre os programas públicos de educação remota, a pandemia aumentou desigualdades regionais devido a três motivos: atrasos significativos na introdução dos programas curriculares, planos de estudo desenhados com flagrantes deficiências e a exacerbação de desigualdades sociais preexistentes. Dentre as desigualdades preexistentes, os pesquisadores ressaltam que “Programas de Educação Remota falharam em considerar o acesso à internet” e citam a “TIC Domicílios 2019”, pesquisa a qual constatou que somente 71% dos domicílios brasileiros têm acesso à internet.
Destacando ainda os métodos de ensino, cursos sem a necessária interatividade tendem a se assimilar à visão simplista de estímulo e recompensa, uma herança simbólica da“Máquina de ensinar de Skinner”; psicólogo estadunidense e um dos pesquisadores do behaviorismo, um ramo da psicologia que guiou o desenvolvimento dessa máquina um tanto simples: ela apresentava perguntas e dispunha de um espaço onde a resposta deveria ser escrita. Logo em seguida o estudante poderia, com o clique de um botão, ver a resposta certa e prosseguir para a próxima atividade até ‘dominar’ totalmente a matéria ensinada. A ideia seria que saber a resposta imediatamente traria um estímulo positivo para reforçar o comportamento do estudo. Quase como em um “quiz”, o estudante acaba obrigado a decorar fatos e repostas para ter um bom desempenho em sua aprendizagem. Em suma, aprender a distância tem sido um processo que desconsidera não somente as desigualdades preexistentes, mas também frequentemente a própria especificidade da educação na forma de relação interpessoal, cujo método busca baratear custos. Como descrito pelo Prof. Dr. Paulo Freire; representante da Pedagogia Crítica: “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. Ensinar não é, portanto, transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua construção conjunta. Dessa forma, uma ‘aula’ a distância, sem qualquer interatividade, corre o risco de substituir o ensino com transferências de conhecimento, esvaziando o próprio processo educativo à medida em que não garante a construção de saberes do educando - por si próprio - nem o entendimento pleno do que acaba de consumir (ter acesso); reduzindo o ato de aprender à simples memorização e dificultando, por conseguinte, o verdadeiro processo educativo de emancipação intelectual.
Comments