Discussão: O Uso do Pronome Neutro
- Jovem Político
- 5 de nov. de 2021
- 6 min de leitura
PRONOME NEUTRO O DIALETO MAIS CONFUSO QUE A LÍNGUA PORTUGUESA!
A linguagem não-binária é um dialeto criado por pessoas não binárias - pessoas que não se identificam nem com o gênero feminino nem com o gênero masculino - com o intuito de supostamente incluir e reparar o preconceito disseminado pela língua em sua forma culta. Nos últimos anos, a ideia vem ganhando bastante espaço e endosso no meio público e nos meios de comunicação, dividindo opiniões até mesmo dentro de seu berço: a esquerda.
Primeiro precisamos entender como surgiu o português: ele veio do latim, onde havia três designações: feminino, masculino e neutro. As formas neutras de adjetivos e substantivos no latim acabaram sendo absorvidas por palavras de gênero masculino. O neutro, portanto, passou a ser o masculino.
Em um país como o Brasil que no PISA 2018 (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) colocou o Brasil como estagnado nos rankings mundiais de leitura - posição que se encontra há dez anos -, é loucura pensar em mudar a linguagem para um dialeto muito mais complexo e obrigar a todos os cidadão que o utilizem. Atualmente, 11 milhões de brasileiros não sabem ler nem escrever. Como podemos questionar a ideia de mudar o português drasticamente, se a maior parte das pessoas nem entende o português básico?
As pessoas que defendem essa ideia acreditam que não existe jeito certo e errado de se expressar, mas que todos devem fazê-lo como bem entenderem, enquanto falar corretamente e usar a língua portuguesa de acordo com suas regras é um sinal de vergonha. Acredito que você se lembre do episódio em que o presidente Michel Temer, ao usar a mesóclise, foi execrado pelos jornais e algumas pessoas. Na época, esses disseram que Temer estava sendo “desrespeitoso, exclusivo e presunçoso”, quando na verdade era o presidente da República Federativa do Brasil, que emprega a língua portuguesa, usando-a de maneira correta e mostrando ao mundo sua fonte de conhecimento - inteligência superior de um líder - e conexão com o passado do país, de um meio que nos une, infelizmente, o que os defensores desta barbárie não conseguem entender.
A linguagem neutra não é inclusiva, é exclusiva. Ao utilizar o “x ou @”, disléxicos, cegos e surdos possuem séria dificuldade para compreender o que foi dito e se expressar do mesmo jeito. Francisco Carlos Alves Batista dá aulas na Adeva (Associação de Deficientes Visuais e Amigos). Ele tem deficiência visual e é usuário da Biblioteca Braille do Centro Cultural São Paulo (SP). Em entrevista ao G1, ele afirmou que “esse tipo de linguagem realmente exclui os cegos''. Nós não vamos entender. Mas temos que levar em conta que é um recurso que as pessoas utilizam e que eu, dentro da minha deficiência, não vou poder usufruir”, diz.
Sabendo que nem 2% da sociedade brasileira é não-binária, é de muitíssima importância as pessoas questionarem se realmente uma língua inteira e inclusiva deve ser reformulada para que essas pessoas se sintam “respeitadas”. A linguagem neutra não é neutra pois atende apenas aos não binários e aos militantes da ideologia de gênero.
Dizer “boa noite a todos” inclui homens e mulheres, os únicos sexos que existem, enquanto existem outros milhares de gêneros a cada dia. Imagina só se cada vez que um grupo de pessoas não se sentisse representado lutasse para que a língua fosse alterada por inteiro para que se sentissem incluídas? Não haveria mais língua. Se a língua for tudo, não será nada! Exatamente assim não haverá mais língua portuguesa, e sim o que cada um acha certo falar.
Como a professora de português Cíntia Chagas diz: falar boa noite a todos e a todas é redundância, falar boa noite a todes é ridículo.
Olá a todes.
“Todes?”, você me pergunta, “Mas isso não existe na língua portuguesa!”. E para isso respondo: não existe onde? Na norma padrão realmente não existe, entretanto, acabei de usar “todes” ali na primeiríssima linha e você certamente entendeu o que eu quis dizer e a quem me refiro.
A linguagem inclusiva de gênero (Lig) tem sido um dos pontos de maior webdebate superficial e improdutivo do Twitter (xingamentos e piadas como a da língua do “sape que ne lave e pê”). Porém essa conversa não é novidade, e espero que ao fim desse texto tenhamos esclarecidos os pontos principais desse debate linguístico-social, desde o gênero supostamente não marcado enquanto regra genérica, à falsa imutabilidade da língua.
Começamos com o sexismo gramatical. Já reparou como quando há 201 pessoas em uma sala - 200 mulheres e 1 homem - a gramática normativa prescreve o uso de “eles”? Como “homem” pode ser sinônimo do gênero humano, e mulher não? Entre esses e outros exemplos, existe, no português e na maioria das línguas, uma preponderância do gênero gramatical masculino ao feminino.
Aqui, surge um primeiro contra-argumento à Lig: o português absorveu o gênero neutro, que havia no latim, e agregou-o no masculino. De fato, isso ocorreu (não com todas as palavras), mas muito mais me interessam certas justificativas históricas. Entre elas, como escreve o linguista Guilherme Mäder em seu mestrado (Masculino genérico e sexismo gramatical, 2015), o masculino era tido como gênero “nobre”. Como exemplo histórico temos o gramático e membro fundador da Academia Francesa, Claude Vaugelas (em 1647), que afirma: “le genre masculin, étant le plus noble, doit predominer chaque fois que l’homme et la femme se trouvent ensemble”: “o gênero masculino, sendo o mais nobre, deve predominar toda vez que o masculino e o feminino se encontrarem juntos”.
Modernamente, o uso do masculino genérico é justificado no discurso científico por ser o gênero “não marcado” semanticamente, e o feminino, sempre marcador de significado pela presença do “a”. Entretanto, não é bem assim. Estudos datados a partir da década de 70 tem mostrado que o uso do masculino genérico é fortemente associado com imagens masculinas (Ann Bodine, 1979), contando até mesmo com dados que sugerem uma adaptação das mulheres para a supressão dessas imagens. Além disso, mesmo que a norma padrão “obrigue” o uso do masculino genérico, frequentemente o feminino genérico aparece enquanto o não marcado, principalmente para profissões fortemente associadas a mulheres. Mäder utiliza dois exemplos - enfermeiras e secretárias- “Médicos, enfermeiras e funcionários de saúde necessários para combater urgentemente o vírus do ebola, afirma a Agência de Saúde da ONU.” (Centro Regional de Informação das Nações Unidas) e “[...] A maioria das profissionais com esse nível de qualificação já está empregada, o que faz com que os recrutadores abordem as assistentes, como acontece na busca por executivos.” (Valor Econômico). Dessa forma, mostra-se que esse marcador genérico não é aleatório e perpassa, obrigatoriamente, por questões sociais.
Entre outros exemplos que evidenciam o androcentrismo linguístico há a ordem das díades: superior/inferior, positivo/negativo, pai/filho, chefe/empregado, bem/mal; rei e rainha, marido e mulher, Adão e Eva, Sansão e Dalila, Romeu e Julieta... homem e mulher.
A Lig, mais recentemente, tem se expressado através de formas neológicas de referenciação, como nos neopronomes. Essa vertente traz, além dos sufixos e,x e @ para se referir a pessoas, pronomes neutros como “elu/delu”, que buscam não só o fim do sexismo gramátical, mas também a inclusão de pessoas cuja identidade de gênero não se encaixa no binário feminino/masculino. E, de fato, essa é a parte mais polêmica. Assim, vejamos algumas das “preocupações” daqueles que se opõe:
Novamente, surgirá quem diga: “mas isso não existe no português, estão matando nossa língua.” E novamente pergunto: não existe onde? Você não encontrará “elu” no dicionário, da mesma forma que você não encontrará nem “vc”, nem “shippar” nem outra infinidade de abreviações, estrangeirismos, neologismos e usos “errados” que fazemos da língua. A você, preocupade com o assassinato do português, tenho péssimas notícias: o português que falamos hoje já não é a última flor do lácio em que Olavo Bilac escrevia, muito menos a língua da pátria de Camões em “Os Lusíadas”. Um dos exemplos mais clássicos: aposto que não sente falta de se referir aos outros como Vossa Mercê, que se tornou Vossemecê, vosmecê, vosm’cê, voscê e finalmente, o você que venho utilizando nesse texto. Sim, de fato, as mudanças na língua são lentas e graduais, e a Lig não será adotada do dia pra noite por todos, caso chegue a ser adotada, o que não faz dela mais ou menos “natural”.
Outro argumento contrário seria o da exclusão de cegos, surdos e analfabetos. Quanto à preocupação de que os leitores de telas para cegos seriam capazes de ler x ou @ no meio de palavras, a solução está na adaptação dos desenvolvedores desse software. Quanto a surdes e mudes, não seriam afetados. Além do mais, a linguagem brasileira de sinais já é gênero-neutra. Para os analfabetos, uma nova terminação não impediria o ensino formal da língua, na verdade, aqui o preconceito é latente. Assim como crianças não aprendem português na escola, aprendem o registro formal; analfabetos já se apropriaram da língua, só estão alheios à forma escrita e à norma.
Numa nota final, a Linguagem inclusiva de gênero, ou linguagem gênero-neutra, não pretende acabar com a violência sexista ou LGTBQfóbica. Ela é, na verdade, a expressão de uma disputa por espaço refletida no campo da língua. Espero ter esclarecido, principalmente, que a língua não é uma entidade imutável que existe para além da humanidade, e nesse sentido, que ela é espaço de debate e mudança para servir a nós e ao propósito comunicativo. Seja artisticamente com os neologismos de Guimarães Rosa, ou politicamente com a produção de visibilidade pela Lig.
Como afirma a Doutora em linguística, Janaísa Viscardi: “a língua também faz parte destas manifestações de tensões sociais, e procurar impedir o emprego dessas novas formas é também tentar impedir a existência e manifestação dessas pessoas.”
Comments