Katarse Conká, Identidade e Condomínio
- Antonio Motyole
- 25 de abr. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 28 de abr. de 2021
Dentre outras reflexões sobre BBB21 e “Cultura do Cancelamento”
Na monotonia deste tempo, as conversas têm sido bem... monótonas. Algo nas linhas de: -Tudo bem com você? -Ah, indo né.... -Pois é... Entretanto, as coisas mudaram depois do “Já votou na Karol Conká hoje?”. Assistindo ou não ao BBB, a força do “cancelamento” da Karol se estendeu por todas as redes sociais, culminando na sua saída com 99,17% dos votos. Uma porcentagem justificada notoriamente pela forma como tratou Lucas, mandando-o não comer na mesma mesa que ela. Fiz minha parte, votei e comemorei sua saída como uma das poucas felicidades do brasileiro: uma catarse. Um sentimento de purificação tão aguardado que acabou me fazendo refletir sobre esses cancelamentos cada vez mais presentes. Para definir o termo “cancelamento”, gosto muito da perspectiva da guilhotina que busca dar poder ao povo, levar justiça àqueles que não podem ser alcançados de outra forma e, simultaneamente, tem o potencial de se tornar um espetáculo sádico. Existe aqui também uma relação com a inquisição, na medida em que há a presunção de culpa normalmente seguida de uma abstração generalizada sobre o caráter do cancelado, culminando num debate afastado da atitude inicial. O cancelamento é, no fim, uma forma de linchamento virtual. Dando sequência o pensamento da Prof. Rita Von Hunty, ao observar as ferramentas usadas na minorização de grupos oprimidos historicamente, certo desconforto na casa torna-se notável quanto a personagem Gilberto. Ele, doutorando em economia, chegou a ser visto como forçado pelo seu “jeito”- o que muito me incomoda. Enquanto “afeminado”, Gil remete a duas “Imagens de Controle” da figura homossexual. Primeiramente temos o homossexual sério e discreto, o esperado de um economista, e, segundamente, o “escandaloso”, “exagerado” e “feminino”, o aceito pelo discurso midiático e já muito utilizado pela própria Globo. Sendo que é informado culturalmente que o segundo não deve ser levado a sério, servindo apenas como alívio cômico. Por não se conformar em um único estereótipo, Gilberto incomoda dois grupos por dois motivos: a comunidade LGBTQIA+ condicionada à performance que não condiz consigo mesma e o brasileiro heteronormativo quando ocorre a troca do humor por assuntos mais sérios.
Já para o Psicanalista e Professor da USP, Christian Dunker, a cultura do cancelamento é uma extensão da “Lógica do Condomínio”: em um ambiente muito diverso, eu me fecho e me separo com um muro; o que diminui o tamanho do mundo e me aumenta proporcionalmente. Seguindo ainda a Psicanálise, o cancelamento pressupõe sempre uma relação prévia de identificação ou investimento por enxergar uma forma de vida na qual me sinto representado. Entretanto, esse investimento presume uma lealdade mútua que não existe na realidade. Nos primeiros sinais de uma face do outro que destoa da imagem construída, nós buscamos o prazer em uma punição narcísica que purifica a nossa própria imagem. A “cultura do cancelamento” é consequência óbvia da valorização excessiva do reconhecimento, essencial às profissões delirantes (aquelas que dependem totalmente da opinião pública), com o prazer da dissociação e a lógica da indústria de cultura. Existe ainda um aspecto mais complexo presente na hierarquização de identidades no discurso de Karol Conká. Observando a situação com Lucas, por exemplo, aquilo foi bullying? Ou Racismo? E, considerando seu aspecto estruturante, por que não poderia ser? Ao olhar ainda trechos de suas músicas como: “É quando eu quero, se conforma, é desse jeito / Se quer falar comigo, então fala direito”, por uma estética feminista, o discurso é de empoderamento. Tendo em vista a história de ascensão financeira, a posição social de Karol e uma perspectiva pós-eliminação, a letra acaba como um discurso arrogante, ou ainda, classista que choca. Fica evidente que a análise do discurso acaba por mudar completamente dependendo de qual aspecto identitário tomamos como mais relevante e leva a questionamentos como: Se existe o mais importante, qual é? Por fim é essencial lembrar que o BBB é o produto de uma indústria cultural, faz parte de uma empresa com seus próprios interesses políticos que visa o lucro e, como qualquer reality, possui personagens e roteiro. Agora, tendo dito isso, acabei de votar na Viih Tube na pausa entre parágrafos e sigo torcendo pelo Gil... A realidade é que são nossas contradições que nos tornam complexos e interessantes; seria impossível viver sem esse conflito interno. Entretanto, isso não significa ser conivente com qualquer ação, não existe outra opção senão andar na linha tênue de diferenciar o corrigível do execrável – mesmo que isso seja falar de ética, moral e filosofia alemã, que só deixa de ser brega com Marx. É quem não concorda comigo que me enriquece e, por isso, devemos manter esse esforço contínuo para não criar nossos próprios condomínios.
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