O tic-tac do tik tok
- Antonio Motyole
- 22 de jun. de 2021
- 4 min de leitura
Um breve aviso: escrevo este artigo correndo o risco de parecer muito mais velho do que sou e até mesmo soar como um avô (a dor na coluna não ajuda) – ainda mais ao tratar do passado, talvez passe a ideia de uma nostalgia que não tenho. Enfim, vamos ao texto.
Eu nasci em 2003, junto ao Skype. Sou também dois anos mais novo que a Wikipédia e dois anos mais velho que o Youtube. É bizarro, mas eu já nasci num mundo com a internet e, logo depois, num mundo com o iPhone, Twitter, WhatsApp e Instagram. Nunca conheci uma realidade fora dessa que hoje me cerca e encontra suas características definidoras num dispositivo que cabe na palma da minha mão. A questão mais irônica para mim é que: essas ferramentas criadas para acelerar nosso dia a dia e nos tornar mais eficientes nos trazem uma faca de dois gumes: assim como os primeiros carros trouxeram mais agilidade e, logo após, engarrafamentos insuportáveis, vivemos na era das consequências sem precedentes dessa aceleração perceptiva do tempo pela tecnologia.
O tempo por si só é um problema confuso, ou, mais precisamente, nossa percepção é que é. Considerando um dia chato de filas no banco ou de estudos, nossa noção diz que cinco minutos passam como cinco horas, enquanto em um dia de festa com nossos amigos, o tempo voa..., o que não é surpresa, dado que quanto mais prestamos atenção no tempo, mais ele demora a passar. A problemática ganha uma segunda camada quando notamos que os dias mais demorados a passar são aqueles dos quais nos lembramos menos, e ao contrário também: os dias de festa que passam correndo são recheados de memórias (a falta que a vacina faz...). Assim temos dois padrões originais de percepção por não conseguirmos nos lembrar de tudo: o longo durante e curto nas memórias e o curto durante e longo retrospectivamente.
Como se não bastasse, a bizarrice não para por aí. Nossa percepção do próprio presente nem sempre foi a mesma: sociedades pré-modernas o viam como uma continuação do passado, como se possuíssemos uma essência constante independentemente da época em que tivéssemos nascido. Entretanto, conforme as ciências e a tecnologia avançaram, o passado e o presente passaram a ser cada vez mais diferentes, ao passo que, por volta do ano de 1800, visões cíclicas e estáticas de tempo precisaram dar lugar à noção atual. Em sua explicação, o sociólogo Hartmut Rosa coloca que, conforme a evolução tecnológica acelerou, a janela de estabilidade que chamamos de presente ficou cada vez menor, de modo que a experiência pré-moderna de estar excluído foi substituída pela ameaça constante de se tornar excluído, de ser deixado para trás, de não saber das últimas trends ou das últimas polêmicas: “quem viver duas vezes mais rápido pode perceber o dobro de possibilidades de mundo e, dessa forma, viver duas vidas no tempo de uma, quem viver infinitamente rápido, não precisará mais temer a morte; [...] a aceleração se torna uma substituta secular à eternidade”.
Analisando a obra, o youtuber Michael Stevens (Vsauce) trata como cada um de nós, na busca dessa salvação, coloca uma venda ao não percebermos que nossas atitudes para salvar tempo, nos deixam não só com menos dele, mas mais sozinhos nele. Para que possamos nos adaptar a esse mundo - no qual eu nasci no meio - precisamos consumir informação de uma maneira cada vez mais desumanizada e descontextualizada em intermináveis feeds personalizados. Michael termina por falar do padrão curto-curto de percepção temporal: com o surgimento das TVs e, mais recentemente, das redes sociais, as pessoas passaram a relatar uma sensação de que o tempo passava mais rápido enquanto assistiam à televisão e, depois de assistir, a percepção também foi a de que poucos minutos se passaram, inovando as formas antigas de se perceber o tempo.
Nesse sentido, nossos olhos e ouvidos são alimentados de informações por máquinas que não sabemos como funcionam e cujo objetivo claro é nos manter pelo maior tempo possível encarando suas telas. Portanto, não passa por surpresa alguma que as redes sociais possuam essa capacidade de sugar nossa atenção durante horas e fazer parecer como se não tivessem passado alguns minutos; capacidade essa que advém de uma coleta extensiva de todos os dados possíveis sobre como interagimos com a rede em questão, tudo para manter o nosso olhar e moldar o nosso comportamento com propagandas e posts cada vez mais direcionados. Inclusive, a ideia deste artigo surgiu justamente depois que eu perdi horas do meu dia no Tiktok - sem nem perceber o tempo passando - e, agora enquanto escrevo, não me lembrar de nada que consumi naquelas horas. Justamente por só possuir vídeos, o Tiktok é, para mim, a rede que mais me prende.
Desse modo, seguimos nos perguntando se um sistema mais humano é possível enquanto tentamos resistir às tentações do nosso cérebro de caçadores-coletores que o atual design digital explora tão bem - desde os gestos de recarregar a timeline na espera de novidades, até a satisfação da nossa necessidade social confirmada pelo número de curtidas. Finalmente, ecoo a sugestão de Michael para este período transicional entre a conquista do tempo e seu renascimento: “arrume tempo para que o tempo te controle: se entedie, perca as novidades e se atrase no mundo, sinta apenas o que o corpo permite por si; pode ser que não seja o melhor tempo, mas, no final, você terá mais tempo.”
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