Aborto
- Antonio Motyole
- 3 de ago. de 2021
- 3 min de leitura
A Pesquisa Nacional de Aborto (2016) mostra que, no Brasil, uma a cada cinco mulheres, de até 40 anos, já realizou pelo menos um aborto durante sua vida. Mulheres frequentemente se colocam em perigo, e até morrem, por conta da criminalização do aborto. Sua legalização, porém, não é só uma questão de saúde, se fosse não haveria tamanha discórdia e tabu. Fatores religiosos e sociais também interferem na decisão.
No Código Penal Brasileiro, os artigos 124 a 128 tratam do aborto, permitindo a prática em caso de estupro, anencefalia fetal ou risco de morte da mãe. Contudo, processos de estupro podem demorar meses ou até anos para serem finalizados, isso nas raras ocasiões que são levados à justiça. Ou seja, até que o estupro seja legalmente provado e todos os documentos necessários sejam adquiridos, a mulher já não poderá abortar ou até já terá tido a criança. O obstetra Jefferson Drezett discorre sobre o assunto: "Pros níveis de violência que a gente tem hoje no Brasil, que são muito, muito perversos com as mulheres, nós deveríamos ter um número muito maior de abortos legais. Não é possível que a gente tenha, depois de 80 anos de lei, um percentual tão pequeno de abortos legais em um país que é tão violento contra as mulheres".
Além disso, muitas mulheres com o direito de aborto legal não sabem da existência dessa possibilidade, já que muitas são apenas crianças ou de classes sociais baixas. De fato, os casos mais graves de tentativas de aborto são, geralmente, de mulheres pobres, que não têm condições de viajar para um país em que o aborto é legal e recorrem a técnicas perigosas e violentas. A enfermeira e epidemiologista Emanuelle Goes, pesquisadora associada da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e pós-doutoranda no Fiocruz-Bahia afirma que “a legalização do aborto é também uma questão de justiça social, já que negras e pobres são mais afetadas pela lei em vigor”. Um levantamento - feito pela Defensoria Pública de São Paulo - confirmou que, mesmo com a quantidade extrema de abortos clandestinos no Brasil, apenas grupos específicos de mulheres são denunciadas pelo ato.
Uma das condições para o aborto legal é o perigo à vida da gestante, porém é evidente que a falta de suporte médico para interromper a gravidez também causa alto risco para muitas mulheres. Só no Brasil de 2020, o SUS tratou 80,9 mil mulheres após tentativas falhas de aborto, esse número é 79 vezes maior que a quantidade de abortos legais realizados. Em 2014, o corpo de Jandira Magdalena foi encontrado carbonizado, sem os dentes e sem impressões digitais, pois os participantes da clínica clandestina de aborto tentaram acabar com os vestígios do crime. Esse caso ficou famoso, porém diversas tragédias similares acontecem com muitas outras mulheres ao tentarem interromper a gestação. Especialistas no UOL Ecoa lembram que o aborto é considerado seguro pela OMS e o que o torna perigoso é sua criminalização. Mariana Romero, médica militante pela legalização do aborto na Argentina e uma das coordenadoras do REDAAS (Rede de Acesso ao Aborto Seguro) aprofunda: "O aborto não é um procedimento perigoso. É perigoso quando é feito de forma insegura, com métodos que não são os recomendados pela OMS, quando se usam doses inadequadas ou medicamentos incorretos, sem a informação adequada, em contextos de perseguição criminal".
Outra falha significante no sistema atual é a falta de apoio às mães. Depois de terem a criança, às mulheres não é oferecido nenhum tipo de suporte, pelo Estado. Decorrente disso, milhares de crianças nascem em famílias que não têm condições de sustentá-las e não as querem.
Opositores à legalização argumentam que o feto é considerado uma vida criada por Deus e tirá-la seria comparável a um homicídio. A partir disso, afirmam que legalizar o aborto seria como não haver punição para um assassino. Contudo, já foi estabelecido que o primeiro sinal de atividade cerebral só acontece depois da 13ª semana da gestação e é estipulado que a consciência fetal só começa a se desenvolver no sexto mês de gravidez, a partir de quando o aborto não poderia mais ser realizado.
O Brasil continua preso em percepções e imposições retrógradas acerca do aborto. As evidências e estatísticas que mostram não só o perigo à saúde das mulheres, mas também as injustiças e desigualdades sociais ao não legalizar o aborto deveriam ser irrefutáveis. Porém o aborto ainda é associado ao homicídio e condenado por tirar uma vida criada por Deus. O que muitos falham em considerar é que o Brasil é um país laico e nem todos os cidadãos têm os mesmos valores ou a mesma religião. Sendo assim, o Estado não deveria tirar a escolha daqueles que não veem o aborto como um crime.
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