Por que a Coreia do Norte é tão fechada?
- Jovem Político
- 3 de nov. de 2021
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Para tentar responder essa pergunta, é preciso primeiro conhecer o passado do território atualmente conhecido como “Coreia do Norte”. A referida península era dominada por tropas japonesas e, após o fim da Segunda Guerra Mundial, passou a ser ocupada pela União Soviética na sua porção norte e pelos Estados Unidos no sul, graças a uma divisão definida pelo paralelo 38. Essa divisão foi acordada entre as duas nações, tendo levado o líder da URSS, Josef Stalin, a indicar um novo líder em 1948, Kim Il Sung, para a então recém-fundada República Soviética da Coreia. Passados dois anos de seu governo, Il Sung iniciou a “Guerra da Coreia”, na tentativa de unificar as porções sul e norte da Coreia, o que resultou na morte de milhares de cidadãos e foi um marco na história do país.
Quando assumiu o poder, Il Sung procurou desde cedo marcar sua presença como um líder para quem a população devesse olhar com admiração. Estátuas foram erguidas e o calendário passou a ser seguido segundo o seu ano de nascimento (Início em 1912). A partir daí, a ideia de idolatria não era tão distante. Os relatos trazidos pela autora Helen Louise-Hunter em seu livro “Kim Il-song's North Korea“, destacam que, ainda na infância, crianças norte-coreanas eram ensinadas que o governante é uma figura perfeita, isenta de erros. Ou seja, cria-se um culto de personalidade, no qual a figura de Il Sung se torna próxima a de um ser religioso. Também nos anos iniciais de sua dominação, implantou uma ideologia denominada Juche, que em tradução livre seria a “autossuficiência”, e é referente a capacidade dos norte-coreanos de se sustentarem sem a ajuda de outras nações, de sobreviverem solos.
Tendo em mente as questões comentadas, chega-se ao momento em que uma nova estratégia surge no horizonte do governo norte-coreano: o isolamento da população como um todo. A ideologia de Juche foi essencial para o sucesso de Il-Sung Il, visto que o sentimento de orgulho trazido por essa linhagem de pensamento foi usado para unir a população a seu líder e, portanto, justificar o isolamento do mundo exterior. Sem interagir com o mundo exterior e com o respeito incomum a seu líder, a população iria prosperar. A norte-coreana Hyeonseo Lee afirma em seu relato após a fuga do país: “Quando criança, eu acreditava que a Coreia do Norte era o melhor país do planeta."
O isolamento se manteve e em pouco tempo nasciam crianças já em uma realidade cuja cultura e vivência possível era a da Coreia do Norte. Seguido da morte de Kim Il Sung, seu filho, Kim Jung Il assume o poder, já começando a trabalhar no desenvolvimento de uma propaganda que favorecia muito sua imagem. Ao aplicar a ideologia de Juche e fortalecer a reputação de seu líder como fonte extrema de sabedoria, a população generalizada passou a colocá-lo em um pedestal - quase que literalmente - o que é ainda considerado como um culto de personalidade. A prova disso consta nos desfiles militares que ocorrem anualmente na capital, Pyongyang, e reúnem milhares de pessoas abaixo do líder, que realiza um discurso nacionalista e saúda a bandeira junto com os outros cidadãos. Corre nas mídias internacionais rumores de que dentro da Coreia do Norte há histórias sobre as gerações Kim, como a de que eles são prodígios e foram responsáveis por diversas inovações (como o Hambúrguer), tem o direito “divino” de governar, entre outras. Independente se a extravagância dessas histórias é ignorada pela população ou não, é evidente que, até em menores dimensões, esse tipo de discurso, quando ensinado em escolas, leva à idealização do líder como ser intelectual e até fisicamente superior. Não é uma questão de lógica, mas sim de fé.
Ainda na pauta do quão fechado é ou não o país, é inegável que o conhecimento no plano internacional a respeito da Coreia do Norte é limitado. A nação está isolada do mundo e o mundo está isolado dela. Não há o mesmo número de matérias e informações disponíveis sobre o país quando comparado ao Brasil, por exemplo. Segundo o relato de Yeonmi Park, também fugitiva e atualmente ativista de Direitos Humanos, a mídia é controlada pelo governo: os rádios, jornais e canal de televisão são nacionais, e portanto, aprovados pelo ditador. Isso, obviamente, limita o contato da população com a política, mercado, literatura e acontecimentos exteriores. Assim, a liberdade de expressão não é proibida por definição, mas é implicitamente limitada pela restrição de informação por parte do regime. A ativista conta também em sua entrevista um pouco sobre a linguagem falada pelas pessoas a sua volta. Não há uma palavra que expresse o sentimento de amor romântico ou o que denominamos como “amizade” e “direitos humanos''. O controle não está presente só na mídia e na crença, mas também na língua.
Outro ponto no espectro da história norte-coreana que facilitou a estabilidade do regime ditatorial foi a fome. Quando a União Soviética se desfez no início dos anos 90, o fornecimento de alimentos, remédios, e outros suplementos para a Coreia do Norte se tornou cada vez mais falho. A nação dependia muito desse suporte e, quando a agricultura estava enfraquecida, houve um colapso econômico e de escassez, o que resultou em muitas mortes por desnutrição. Apesar de extremamente trágico, o pensamento era de que pessoas enfraquecidas não representavam uma ameaça contra o regime de Jung Il. Aquelas que se opõem ao regime são punidas e geralmente eliminadas. Além disso, o líder foi capaz de uni-las pela fome, pois segundo Juche, caso se mantivessem unidos iriam sobreviver e sair vitoriosos, o que reforçava seu poder.
Apesar do padrão de vida observado quando se visita Pyongyang - majoritariamente ocupada por apoiadores do regime com poder monetário - que conta com automóveis de ponta, poucos moradores de rua, e acesso à saúde e educação pública, a fome e pobreza ainda são um problema no restante do país. A crise de 1994 forçou muitos a trabalharem no mercado informal, e, consequentemente, o suborno de Oficiais do Estado para evitarem a prisão. De acordo com o relatório feito pelo Escritório de Direitos Humanos da ONU em 2019, que conta com mais de 200 fontes, o Estado não cumpriu suas obrigações para garantir a qualidade de vida segundo as leis de proteção dos direitos humanos. Hyeonseo Lee, desertora e ativista, ao contar da sua experiência afirma que sua família vivia com eletricidade baixa e escassez de comida, além de, após sua fuga para a China, sofrer com constante medo de ser repatriada e portanto punida pelo governo, estando em território estrangeiro.
Quanto à tecnologia, estima-se que os telefones celulares tenham chegado ao país em meados de 2005, no entanto, não é permitido o uso de redes sociais nem o acesso à internet propriamente dita. As ligações internacionais e saída do país devem ser autorizadas pelo governo. O mesmo vale para estrangeiros que desejam viajar e visitar o território. Assim como a mídia, os telefones e cartões de crédito devem ser de produção nacional e limitados a uso dentro das fronteiras.
Avançando no tempo até 2011, morre mais uma geração Kim. Com o falecimento de Kim Jung Il, seu filho, Kim Jong Un, nome familiar no atual cotidiano do público jovem, segue os passos de seu pai. Ele se mantém como líder “adorado”, realizando paradas militares, censura de imprensa, propaganda estratégica, doutrinação pela educação e investimento nuclear, este último fortalecendo seu regime a olhos exteriores. O acesso à informação sobre e na Coreia do Norte permanece ainda carente, e por essa razão não é possível averiguar todos os dados sobre o assunto. É uma tarefa difícil encontrar canais jornalísticos, de informação e pessoas com prioridade absoluta para dissertar sobre o mesmo. Por isso, recomenda-se a pesquisa para maior aprofundamento do assunto, que se apresenta em grande extensão de conteúdo.
Fontes: https://www.ohchr.org/Documents/Countries/KP/ThePriceIsRights_EN.pdfRelatório “The price is rights: the violation of the right to an adequate standard of living in the Democratic People’s Republic of Korea”
https://youtu.be/NA_nMF2Neu4
https://youtu.be/PdxPCeWw75k TED
“Como se tornar um tirano” - Seriado Netflix
https://youtu.be/25NnmCyjpm4
https://www.todoestudo.com.br/historia/governo-da-coreia-do-norte
https://news.un.org/en/story/2019/05/1039251
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