Privatização do SUS: contra
- Beatriz Coelho de Soárez
- 10 de mai. de 2022
- 4 min de leitura
Para variar, Bolsonaro faz decretos e cria novos projetos sem nenhum apoio ou pesquisa pela parte de especialistas da área. A novidade da vez é a “elaboração de estudos de alternativas de parcerias com a iniciativa privada para a construção, a modernização e a operação de Unidades Básicas de Saúde, do Distrito Federal e dos Municípios”, afirma o documento assinado pelo presidente.
Reações nas redes sociais foram imediatas em uma das piores repercussões que o governo Bolsonaro recebeu. Os ataques desses políticos ao SUS não são novidade, já que, desde o começo da pandemia, utilizam a morte de mais de 600 mil brasileiros como motivo para privatização do serviço que deve ser público e universal.
Há vários posicionamentos importantes sendo feitos acerca do assunto desde meados de 2020, mas um dos mais importantes foi do Conselho Nacional de Saúde, que se colocou contra a ação, a tachando como ameaça ao SUS e à universalidade do atendimento à saúde - um dos pré-requisitos presentes da Constituição brasileira.
Outra pronúncia veio do Conselho Federal de Medicina, afirmando em nota que “a autorização de venda de ‘planos populares’ apenas beneficiará os empresários da saúde suplementar, e não solucionará os problemas do Sistema Único de Saúde (SUS)”.
Dessa forma, gostaria de trazer de volta algumas falas de Reinaldo Gaspar Mota, de uma conversa que participou em 2020, integrante da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares e professor da UFMT. “Vem um presidente, que deveria estar cuidando da saúde, desmontar a saúde?”, ao indagar sobre um dos primeiros escândalos do governo relacionado à possibilidade da privatização do SUS. Vale ressaltar a data: outubro de 2020. Auge da pandemia contra o coronavírus, já milhares de brasileiros morrendo diariamente. Reinaldo continua: “Essa virada vem em um momento de ameaça. O povo brasileiro está em um momento de vulnerabilidade, mais de 158 mil mortos, dentro de uma pandemia que está nos arrasando e que nos deixa bastante inseguros.”
É verdade o que dizem sobre a qualidade do SUS. Muitas pessoas ficam sem atendimento, a falta de organização manda pessoas para lugares que não deveriam e muitos locais estão em situação precária. Mas, o que nunca é argumentado é o motivo por trás da sua qualidade atual.
O SUS foi uma vitória de movimento sociais – faz sentido a vontade de empresários e os mais privilegiados da população não se importarem com seu futuro. E seu decaimento, que resultou nos dados que se vê atualmente, está diretamente ligado com os cortes de verbas que ocorrem desde 2016. A falta de atenção e priorização do SUS há anos é um dos principais motivos da situação precária que hoje se encontra.
Portanto, é algo que vai além do atual presidente. O então ministro da saúde (e depois investigado na CPI da Pandemia), Ricardo Barros, já defendia os planos de saúde populares – e não se engane pelo nome, esses planos de saúde populares são perigosos para a grande parte da população que não tem acesso imediato aos melhores hospitais privados do país.
Basicamente, a estrutura assistencial dos planos privados não possui prevenção contra exposição de riscos, já que o atendimento e priorização dos casos é diferente entre as pessoas – tudo depende do tipo e do preço que você investiu no seu plano. Essa diferenciação baseada em capacidade de pagamento gera problemas como descontinuidade de tratamentos, indefinição de responsabilidade e conflitos entre os distintos prestadores de serviços envolvidos.
Essas mesmas empresas de planos de saúde foram uma vergonha durante a pandemia: se recusaram a proporcionar leitos de UTI (leia um pouco mais sobre isso https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2020/03/psol-stf-sus-uti-rede-privada/), continuaram a reajustar e aumentar preços mesmo com a crise econômica derrubando o país e se negaram a dar cobertura de testes para COVID.
O pesquisador da UFRJ, Leonardo Mattos, analisa: “os planos de saúde batem num teto de aumento de cobertura a partir de 2015. Há um limite claro para esse modelo de expansão de saúde suplementar baseado no contrato de trabalho, naquele modelo em que o empregador paga uma parte, o funcionário paga outra, porque isso depende diretamente do emprego formal.”
Além de tudo mencionado, há outro ponto muito importante para essa discussão: privatizar o SUS não é só uma forma de classicismo, para exclusão da maior parte da população ao acesso a saúde e tratamentos. Também é comprovadamente ineficaz.
Aqueles que defendem a privatização, seja em qual for o setor, adoram afirmar que a famosa eficiência aumenta e que estão pensando no bem maior da população. Mas, se você for realmente analisar os dados, é muito difícil achar algum serviço que tenha realmente melhorado após a privatização. Recomendo o artigo de Juliane Furno, do Brasil de Fato, no qual ela trás dados concretos dessa comparação (link: https://www.brasildefato.com.br/2018/03/27/privatizacao-nao-e-eficiente-nem-resolve-problema-economico/).
Em um grande resumo, após a privatização a qualidade e atenção tendem a ser abandonadas. Há também um aumento de preços tão alto que o acesso passo a ser exclusivo das camadas mais ricas do Brasil. Com a privatização do SUS, empresários tem o objetivo de transformar uma das maiores vitórias populares em algo apenas exclusivo para seu clubinho. Afinal, não são eles que vão sentir falta do atendimento.
A solução não é privatização, e sim utilização correta das verbas já existentes para o SUS, que em sua maioria são mal utilizadas ou desviadas. É preciso que se priorize a saúde pública, um direito escrito na Constituição – aquela, que a direita gosta de dizer que ignoramos.
Gostaria de terminar com a frase de Juliane Furno, do texto recomendado: “por isso, calma lá quando você achar que privatizar é a solução! Além de não melhorar a eficiência e de não trazer ganhos fiscais significativos à nação, a privatização – especialmente de bens estratégicos com a água, a energia e o petróleo – ameaçam nossa segurança energética, nossa soberania e nossa capacidade de desenvolvimento nacional.”
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