UM ENEM COM A “CARA DO GOVERNO”
- 24 de nov. de 2021
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O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi criado em 1998 pelo Ministério da Educação e suas provas são elaboradas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep. A história de criação do instituto remonta ao início do processo de industrialização brasileira, nos últimos anos da década de 1930, e teve como primeiro nome: “Instituto Nacional de Pedagogia”. Sua criação ocorreu no âmbito das reformas educacionais propostas pelo MEC (Ministério da Educação e Cultura) e, ao longo dos anos, o instituto tem contribuído para a formação de professores bem como a consolidação da educação no Brasil. O primeiro Enem tinha como principal objetivo avaliar o desempenho dos estudantes que estavam terminando o ensino médio. A primeira prova tinha 63 questões e foi aplicada em único dia, com quatro horas de duração. A redação proposta tinha como tema: “Viver e aprender”, e apresentou apenas um texto motivador, parte da letra da música “O que é o que é” de Gonzaguinha.
Ao longo dos anos, o exame passou por diversas mudanças em sua composição. A partir do ano de 2001, o Governo Federal começou a implantar algumas dessas, como por exemplo: passou a conceder isenção da taxa de inscrição a estudantes oriundos de escolas, fato que gerou um aumento considerável no número de inscritos. Já em 2005, foi criado o ProUni, que tem como objetivo conceder bolsas de estudos à estudantes de escolas públicas com base na nota obtida no Exame Nacional. No ano de 2009 as provas foram totalmente reformuladas para que o exame se tornasse o principal meio de entrada nas instituições federais no Brasil.
Esse breve contexto histórico é primordial para que se possa compreender a importância do Enem, uma vez que sua realização viabiliza o ingresso de estudantes em instituições públicas de ensino, além de garantir a permanência deles em universidades particulares, através de bolsas de estudo integrais e parciais (ProUni). Este ano o Exame está sendo aplicado nos dias 21 e 28 de novembro e, nas semanas que antecedem a sua realização, fomos bombardeados com notícias preocupantes a respeito da idoneidade das provas. Nas últimas semanas de outubro cerca de 37 funcionários do Inep, órgão responsável pela elaboração das provas do Enem, pediram demissão dos seus cargos e funções. No pedido, os servidores citaram a “fragilidade técnica e administrativa da atual gestão máxima do Inep”. Segundo relatos, os servidores estariam preocupados com a interferência do Governo Federal na realização da prova - fato que demonstra a fragilidade da atual gestão.
Na semana que antecedeu a realização do exame, o Presidente Bolsonaro disse em entrevista que “começam agora a ter a cara do governo as questões da prova do Enem, ninguém precisa ficar preocupado com as questões absurdas do passado". Tal afirmação passou a ideia de que ele possa ter tido acesso às provas deste ano, fato que preocupa a todos, pois, de acordo com as normas do Inep, as questões devem ser sigilosas. Essa afirmação gerou também a preocupação de que muitas pessoas desistiriam de realizar o exame uma vez que o mesmo não demonstra a mesma credibilidade dos anos anteriores. Outro ponto importante é pensar na elitização da prova, o que pode acabar beneficiando uma pequena parcela da população brasileira.
Além disso, é a possível que tenha ocorrido a troca de termos constantes na prova deste ano. De acordo com a Folha de São Paulo, o termo “Golpe militar de 64” (denominação dada ao Golpe de Estado que instaurou uma ditadura militar no Brasil), deveria ser trocado para o termo “Revolução de 1964”. O pedido do Presidente, feito ao Ministro da Educação, Milton Ribeiro, teria ocorrido no primeiro semestre de 2021. Esse tipo de notícia é mais uma demonstração das inúmeras formas de censura, o que abriu um leque de preocupações sobre a diversidade de conteúdos que estariam presentes na prova, que deveria contar com um número de questões com diferentes graus de dificuldade a fim de avaliar todos os alunos.
Coincidentemente, as questões retiradas da prova foram justamente àquelas de cunho sociopolítico ou socioeconômico, o que demonstra que a possível “cara do governo” é a que se assemelha a uma ditadura, uma vez que não promove a troca de saberes e a discussão saudável a cerca de temas polêmicos como economia, política e educação. Infelizmente esse tipo de corte vem ocorrendo desde que o atual presidente esta no poder. Em 2019 houve diversos relatos de questões do Enem censuradas por Bolsonaro, todas de cunho sociopolítico e econômico, que traziam reflexões culturais de Chico Buarque, Madonna e da personagem de quadrinho Mafalda. De acordo com a reportagem publicada pela Revista Piauí, a personagem argentina foi cortada da prova de 2019 pois seus questionamentos geravam uma “polêmica desnecessária”. Na tirinha cortada, Mafalda questionava o papel da mulher na sociedade contemporânea, bem como a perpetuação do estigma social de inferioridade e infelicidade que acaba sendo reproduzido.
As censuras citadas são apenas algumas diante das inúmeras que o exame vem sofrendo. Tais ocorridos somados aos absurdos atos que o atual governo vem apresentando nos levam a refletir que “a cara do governo”, é uma “cara” de corrupção, do machismo, da inépcia, do conservadorismo e do caos! Como dito anteriormente, o Enem é, sem dúvida, um dos principais contribuidores para a democratização do acesso de estudantes às universidades em nosso país. Entretanto, a politicagem por parte do Governo Bolsonaro, irá destruir os sonhos de inúmeros brasileiros de chegar ao ensino superior.
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